quinta-feira, 27 de maio de 2010

Chico Xavier x Bertrand Russell (Joel Rufino dos Santos)

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Fui convidado a um programa de rádio sobre o médium Chico Xavier. Cheguei a ir à emissora. No último instante, tive o juízo de desistir. Provavelmente com meu ceticismo sobre a realidade dos espíritos, vida após a morte etc., acabaria ferindo a susceptibilidade de algum ouvinte crente.

Não é que devamos declinar do debate com crentes. Por filosofia, nada do que é humano nos deve ser estranho. A própria filosofia nasceu e se desenvolveu pela suspeita da crença. Desse amor humano ao saber (filo-sofia) vieram as ciências. Elas emergiram com dificuldade da nebulosa mítica inicial. Mas, num programa de rádio, na televisão, em sala de aula, mais vale a prudência: deixar os crentes com sua crença.

Anos atrás, numa aula de literatura, eu falava dos critérios de verdade: “Se, por exemplo, um cachorro entra por aquela porta e nos dá bom-dia, não acreditaremos. Vemos e ouvimos o cachorro, mas não acreditamos: cachorros não falam”. Quis reforçar a idéia e pedi que olhassem a baía de Guanabara pela janela, azul e cálida: “Se alguém viesse andando sobre o mar, neste momento...''. Um aluno levantou o braço imediatamente: “Andar sobre as águas, nem por hipótese. Só Nosso Senhor Jesus Cristo!”. Pedi desculpa, arranjei outro exemplo.

Hoje se tornou comum alunos evangélicos e espíritas confrontarem professores. Com a velhíssima arma da razão, podemos compreendê-los; eles não nos podem compreender, já que se baseiam numa crença. Crença, por definição, é indemonstrável. Foi impossivel (pelo menos até hoje) demonstrar, pela lógica, assim como provar, pela experiência, que mortos se comunicam com vivos. Um dos lemas da Igreja Positivista era “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos”. O Barão de Itararé gozou: “Os vivos são sempre e cada vez mais govenados pelos .. mais vivos”. Esta é a linha divisória: nós, os céticos rationalistas, nos movemos no mundo dos vivos e mais vivos; eles, os crentes irracionalistas, no mundo dos mortos e deuses. Cada macaco no seu galho.

No mundo dos vivos há muito que explicar. Por exemplo: por que a idade da ciência e da técnica é também a da crença, do misticismo, da astrologia, da cientologia, dos gnomos, dos Chico Xavier? Bom, primeiro porque é um grande negócio. Aliás, a terceira neta de Einstein, Evelyn, formada em antropologia e literatura tem, na Califórnia, a rendosa profissão de “desprogramadora de seguidores de culto”. Uma ironia atroz.

Mas não é tudo. A ciência, com sua empáfia, e a técnica, com sua subserviência ao capital, favorecem o irracionalismo místico. Muitos cientistas afirmam que, mais cedo ou mais tarde, explicarão tudo. Muitos tecnólogos prometem que inventarão todas as máquinas para conforto do homem.

O senso comum de nossa época é ambivalente com relação à ciência e à técnica. Ao mesmo tempo que acredita em suas promessas, desconfia que haverá um outro saber, mais anterior e profundo, que as cauciona e lhes estabelece limites. 0 homem, enquanto homem, não precisa da ciência e da técnica para existir. A existência precede as duas.

Não entrei no programa sobre Chico Xavier. Chamo Bertrand Russell em meu socorro: “O que é necessário não é a vontade de acreditar, mas o desejo de descobrir, que é justamente o oposto”'.

Joel Rufino é historiador e escritor ( Revista Caros Amigos, No158 / maio de 2010 )





7 comentários:

Marco Idiart disse...

Gostei muito! Não conhecia o Joel Rufino. Penso como ele. A ciência no imaginário moderno é a panacéia para todos os males.
E isto tem uma série de consequências. Uma delas é o misticismo se adaptando ao mercado e passando a usar termos científicos para contar a mesma velha história. A outra, é a total negação da ciência, pois o cara se sente traído quando se da conta que a ciência não apoia suas fantasias.

Outra coisa que o Rufino falou e me preocupa é a entrada do pensamento irracional em sala de aula.
Como professores estamos preparados para o ensino das técnicas associadas as teorias vigentes. Mas não na sua defesa. Já fico imaginando ter que debater a teoria do calórico em aula. Ou o geocentrismo.

Marco Idiart disse...

Bom, só para não ficar o mal entendido. Nos temos argumentos básicos de porque uma teoria superou ou é melhor que outra teoria. O que é complicado de debater em sala de aula é quando os argumentos são do tipo: todas as experiências até hoje estavam erradas, o calórico existe e foi medido na dácada de 60 em laboratórios ultrasecretos na Russia; ou que a Relatividade é um complô sionista; ou que o heliocentrismo e geocentrismo é apenas um ponto de vista; etc...

Jeferson Arenzon disse...

Nesse caso, não faz muito sentido em debater com a pessoa que faz as afirmações. Seu pouco apego às evidências já mostra que não é uma base lógica e racional que a move. O que deve ser feito então é mostrar aos outros alunos porque existem esses fenômenos marginais à ciência e que na verdade são uma perigosa anti-ciência.

Chico disse...

Ah, os espíritas e os evangélicos... sempre eles. Têm tanta arrogância e certeza aliada a nenhum bom senso (e quase não me pesa na consciência essa generalização). Seria mais fácil deixar esses crentes no seu galho se eles soubessem a hora de ficar de boca fechada. Eu não vou ao culto deles para depreciar sua loucura coletiva, mas eles insistem em imbecilizar as crianças, em empobrecer nossa cultura, em lutar contra os direitos humanos, em fomentar a intolerância e em depreciar a razão, até dentro das universidades.

Entretanto, admito que minha implicância com o misticismo em geral é muito passional. Não é apenas uma preocupação legítima e altruísta com os danos que a fé causa à humanidade. Sou apaixonado pela verdade acima de tudo (pela aproximação da verdade que a razão e a metodologia alcançam, pra não cair na gafe das verdades absolutas típica dos religiosos fanáticos). A depreciação da realidade e sua substituição por mitos (confundidos com verdade) praticada pelos crentes ofende profundamente meus valores. Não sei dizer se minha postura pode ser chamada de fé, intolerância ou adoração religiosa da verdade, mas pelo menos posso dizer que é uma conduta com benefícios objetivos comprovados.

Gostei do texto. Talvez o cara tenha feito a coisa certa ao não confrontar os espíritas. Com espíritas e evangélicos aparentemente não adianta muito argumentar, pois eles têm dificuldade de ter dúvidas. Talvez mais do que a habilidade de defender os valores científicos, devêssemos exercitar a de incutir dúvidas em mentes dogmáticas. Sou um fracasso nisso. Talvez a chave para o sucesso seja a sutileza. Quando alguém me vem com um papo místico, religioso ou pseudo-científico, eu não demoro a afirmar que trata-se de um engodo ou uma tolice sem qualquer fundamento. Aí sou imediatamente categorizado pelo interlocutor com um cético insensível de mente fechada, um inimigo ideológico. Ele então ergue uma barreira surda ou negacionista intransponível aos melhores argumentos que eu puder oferecer. Fico feliz por ter a capacidade de ter dúvida. Até quando me disseram que a evolução é uma teoria em crise eu fui verificar se havia mesmo algum argumento razoável contra ela. Não achei, mas procurei.

Marco Idiart disse...

Oi Chico
Sei o que dizes. Fico muito impaciente com religiosos fundamentalistas. Esse pessoal traz de volta debates antigos e já superados, como se fossem novidades. É ai gente tem que recontar os últimos 300 anos de avanços culturais da humanidade. É cansativo.

Já temos tantos desafios autênticos na nossa frente. Precisamos gente lá no front. É um disperdício esse pessoal que fica lá atrás, preso no loop religioso.

Daniel Oliveira disse...

Pessoal,


Também gostei muito do artigo do Joel Rufino.

Mas obviamente vocês estão ignorando a conspiração estelar que impediu o Joel de participar do programa de rádio. ;-)

Abraços!

Anônimo disse...

Comentário atrasado, mas não podia deixar de falar sobre a frustração que é tentar levar um crente a ter dúvidas.
Minha última tentativa foi tentar levar a pessoa, através da descrição de fatos e argumentos lógicos que, ela estava aceitando como verdadeira a explicação mais absurda e inexplicável de todas e ignorando qualquer outra explicação perfeitamente plausível já aceita pela comunidade científica.
Acabei sendo chamada de convicta e intolerante com quem não ACREDITA no mesmo que eu.
Tentei explicar a diferença entre dogmas e evidências, pesudociência e ciência. Mas desisti pois vi que já não ouviria mais nada do que eu dizia pois, obviamente, ja me considerava uma chata insensível, uma coitada que precisa de deus.
Por isso que admiro muito quem se disponibiliza a debater mais e mais vezes, as mesmas coisas com aqueles que acreditam ser dotados da verdade divina. Esses debates podem levar outros que os assistem a questionar suas crenças (quando não muito convictos, é claro) e procurar a verdade de forma mais honesta possível.