quinta-feira, 9 de maio de 2013

O Dia dos Asteróides

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Artigo publicado em Scientific American Brasil do mês de maio sobre o notável avistamento de 15/02/2013 na Rússia.



 O Dia dos Asteróides
Jorge A Quillfeldt
Scientific American Brasil #132 / maio 2013


Para essa abóbada imensa
a que chamas céu
não tentes levantar teus olhos
implorantes,
Não duvides de que ela gira
como tu e eu,
impotente.

Rubayat - quadra LII
Omar Khayyam


Não é todo dia que acontece um evento tão espetacular que chegue a nos tirar de nossas absorventes rotinas e nos faça recordar que vivemos em um confortável bolha de ar aquecida, perdida em meio a um vasto, inóspito e gelado universo. O bólide avistado por milhares de pessoas em plena luz da manhã de 15 de fevereiro de 2013 em Chelyabinsk, Rússia, foi o mais recente lembrete desse tipo.

A tranquila manhã daquela sexta-feira foi trespassada por um visitante inesperado e muito luminoso, que durante meio minuto atravessou os céus, sendo registrado por várias câmeras. Deixou um espesso rastro bifurcado de fumaça estendendo-se por 480 km sobre os montes Urais quase chegando à fronteira com o Cazaquistão. Cerca de três minutos após a queda, ouviu-se uma intensa explosão que quebrou vidraças em milhares de prédios e feriu cerca de 1500 pessoas, felizmente poucas com maior gravidade. A causa foi a chegada da onda de choque produzida pela explosão do meteoro a mais ou menos 20 km de altura, liberando energia equivalente a de 30 bombas de Hiroshima.

Este corpo celeste com diâmetro de aproximadamente 17 metros – tecnicamente é um asteróide - e pesando cerca de dez mil toneladas, ingressou rasante na atmosfera a aproximadamente 18 km/s, sendo desacelerado com a resistência oferecida pela atmosfera, sofrendo a chamada ablação – perda progressiva de massa (que produziu o rastro de poeira) ao mesmo tempo que emitia intensa luminosidade, até explodir. O mergulho terminou nas imediações do Lago Chebarkul, a 70 km de Chelyabinsk, onde minúsculos fragmentos de condritos foram recuperados.

Nosso planeta captura mais de 100 toneladas de matéria espacial todo dia, o que parece muito, mas é desprezível considerada a massa do planeta. A maior parte desse material constitui-se de poeira ou micrometeoritos, mas corpos maiores, de diferentes tamanhos, também precipitam, com frequência inversamente proporcional a seu tamanho ou massa. Estes corpos originam-se no cinturão de asteróides ou acompanham cometas que vêm de mais longe, dos subúrbios do Sistema Solar. A chance de avistar tantos meteoros é baixa pois a maior parte da vasta superfície terrestre é despopulada (3/4 são oceanos!) e dificilmente podem ser vistas a metade do tempo (durante o dia). Isso ilustra bem quão incomum foi o avistamento russo, de fato, o maior objeto a entrar na atmosfera terrestre desde o evento de Tunguska em 1908, também na Rússia, e até hoje o único meteoro conhecido que causou múltiplas vítimas humanas.

O espantoso brilho exibido pelo bólide russo durante vários segundos chegou a superar o do próprio Sol, projetando sombras móveis (durante seu trânsito) em plena luz do dia! A crença popular de que esse brilho se deva ao aquecimento pelo atrito com a atmosfera, porém, não é muito exata: meteoros são objetos tão velozes que os gases atmosféricos logo a sua frente não têm sequer tempo de deslocar-se para os lados “abrindo caminho”, sofrendo, portanto, uma brutal compressão que aumenta a temperatura a milhares de graus Celsius. Em tais temperaturas, os gases se ionizam formando um plasma luminescente, o que explica o brilho. O calor também favorece a ablação, ou pelo menos derrete a superfície do bólide. Enfim, as estrelas cadentes brilham devido a uma versão radical da clássica compressão adiabática que estudamos no ensino médio, na qual ocorre um aumento de temperatura sem trocas de calor com o ambiente.

Poderíamos esperar então que um meteorito recém caído fosse um objeto muito quente, como se vê por vezes no cinema? Infelizmente este é outro mito comum. Apesar das enormes temperaturas, o evento nunca dura tempo suficiente para que o calor se propague por toda a extensão do corpo, de forma que apenas a superfície é afetada, geralmente produzindo uma fina crosta de fusão.

Há poucos relatos confiáveis sobre a temperatura de meteoritos recém-caídos, mas é razoável supor que estes cheguem aqui basicamente na mesma temperatura que estavam no espaço poucos minutos antes (onde predomina o frio).

Apesar da grande quantidade de material meteorítico que chega diariamente à Terra, apenas uma ínfima fração deste é recuperada, e menos ainda aquelas recém-caídas. Meteoritos têm imenso valor científico, uma vez que são as rochas mais antigas disponíveis na superfície de nosso planeta e os restos melhor preservados da origem do Sistema Solar, verdadeiros sarcófagos contendo o testemunho geoquímico e orgânico da nebulosa-mãe.

Mas nem sempre sua chegada representa boas novas, especialmente quando são... grandes! Os chamados Objetos Próximos à Terra (ou NEOs) mais fáceis de detectar são apenas aqueles com 1 ou mais quilômetros de diâmetro – eis aí uma área que mereceria maior investimento em pesquisa. Por uma incrível coincidência, estava previsto para o mesmo dia, poucas horas após o evento acima descrito, a passagem  do asteróide 2012DA14, duas vezes maior que o imprevisto bólide russo.  Era para ser o maior objeto previsto de grande porte a passar tão próximo da Terra em toda a nossa história, mas o Meteorito de Chebarkul, que - por incrível que pareça - não tinha nenhuma relação com aquele asteróide, acabou roubando a cena!

Quinze de fevereiro de 2013 foi o Dia dos Asteróides, o dia em que a natureza se encarregou de nos recordar, em grande estilo, de toda nossa finitude.



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