domingo, 29 de maio de 2011

Maldito Plantinga! (segue o desafio)

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Após o desafio de algumas semanas atrás, várias tentativas de resposta foram apresentadas, inclusive links para ótimas coletâneas delas. Mas ainda não apareceu nenhuma resposta definitiva e arrasadora. Mesmo assim, é bom ver que estão tentando. Algumas respostas estão circulando apenas em listas de discussão, portanto não poderemos comentá-las aqui (mas estão em tempo de postá-las!). Mas algumas tendências já se observam, que considero útil apontar. Nosso colaborador Carlos Alberto Miraglia, professor de Filosofia da UFPEL leu várias das respostas e contribuiu com o texto que se segue.



MALDITO PLANTINGA!


“Agora, algo bem diferente”.
Existe uma pequena obra prima do cinema Americano chamada no Brasil de 12 Homens e uma Sentença (perdoe-me quem não viu). É a história de um corpo de jurados que deve dar o veredito para um jovem de origem latina, acusado de assassinato. Aparentemente as evidências elencadas apontam, esmagadoramente, para a culpa do réu. Assim, no momento da primeira votação, 11 jurados optam, sem pestanejar, segundo a lei local, pela pena de morte. Obviamente, todos menos um deles. Séria dificuldade, pois a condenação sumária, no caso, exige a unanimidade. E este é o mote do filme. No decorrer de várias horas, entretanto, o personagem antagonista demove uma a uma as convicções dos que decidiram pela certeza da culpa. Seja por que fulano, no fundo, implicava com a etnia do réu em questão, ou por que beltrano estava querendo (sem saber) se vingar do próprio filho, ou, ate mesmo por que sicrano queria resolver rapidamente o julgamento para não perder uma partida de beisebol. No fim, todos acabam convencidos da falta de provas contundentes para uma condenação.
Tudo feito com maestria pelo diretor e elenco. Mas, no meu entender, o ponto chave do filme é que só sabemos o nome do herói nos segundos finais da projeção. E por quê? Porque seu nome realmente não importava. Não importava como vivia, de onde vinha, quem era. Poderia ser mesmo (incrível!) um psicopata ignorado pela justiça, ou quem sabe, até um padre. A disputa era essencialmente argumentativa e, quando a RAZÃO está em pauta, não importa quem diz, mas sim o que é dito. Afinal, a justiça é cega, mas não surda.
Assim, com relação as objeções que tem aparecido nos blogues relativas as dificuldades lançadas por Plantinga na conciliação entre evolução (seleção) com posturas naturalistas radicais, tenho reparado que a grande maioria delas importa-se muito mais com quem diz. Infelizmente, uma atitude que obscurece o que realmente conta na argumentação. Pois então, vejamos: Plantinga afirma que a evolução prioriza antes de tudo o comportamento eficaz. Sendo assim, é completamente indiferente, a título de preservação da espécie, se este comportamento venha a combinar com que chamamos crenças verdadeiras ou falsas. Ora, qualquer naturalista coerente dirá que nossas crenças são o resultado de um dispositivo biológico filtrado na história pela gama de comportamentos possíveis vantajosos à sobrevivência e reprodução. Se não formos platônicos ou espiritualistas, diremos que nossa capacidade de produzir crenças, e demarcar suas verdades, está, então, completamente comprometida com o modo como nossa constituição orgânica (especialmente o cérebro) sobreviveu nesse caminho seletivo. As crenças são efeitos de um órgão natural em confronto com o meio ambiente.O problema principal é que, de fato, ninguém ainda conseguiu demonstrar a pertinência da verdade das crenças como vantagem seletiva. Alguns exemplos culturais óbvios até apontam para o contrário. Mesmo que seja falsa a crença de que um deus único exista, é certo que ela foi decisiva em muitos momentos para a coesão e, portanto, maior capacidade de sobreviver à adversidade de conhecidos grupos humanos. Os Egípcios se foram, e os judeus ainda estão por aí. Portanto, o falso pode ser vantajoso! E basta esta possibilidade para a coisa complicar.
Sendo assim, todas as réplicas que procuram rebater Plantinga, apelando para os últimos resultados da ciência são viciadas, já desde o início, pois por mais sofisticados e balizados por evidências que sejam, são, ainda assim, o produto de um órgão montado pelo acaso no correr dos tempos. No fim de tudo, nossos cérebros serão os juízes, e se não tivermos uma garantia de que a escolha da verdade esteja sintonizada dominantemente com a sobrevivência, tudo o que cremos hoje, por uma idéia de acúmulo de probabilidades, é fortemente duvidoso. Notoriamente, também não serve a alegação de "contradição" no texto: a saber, se for verdade o que ele esta dizendo, então suas conclusões são muito suspeitas já que advêm dos mesmos fatores. Não esqueçam que Plantinga não aceita a evolução como motor de nossas crenças!
Por fim, há os que apelam (inconscientemente), para desqualificar as conclusões de Plantinga, ao uso do venerável argumento do milagre. Este argumento, cunhado pelo filósofo americano Putnam, e que por algum tempo foi tomado como a prova definitiva para o realismo científico, esta cada vez mais em desuso. Afirma mais ou menos o seguinte: como explicar a formidável coincidência entre nossas crenças e as constantes confirmações de laboratórios e de tecnologias bem sucedidas? Como é possível mandarmos o homem à lua ou produzir computadores se nossa ciência não incorporar, num grande índice, a posse da verdade? Realmente, se olharmos a história da ciência como um acúmulo linear de conhecimentos, o argumento seria bastante forte. Mas não é assim. Uma teoria não é simplesmente substituída por outra numa comparação direta. Na verdade, a teoria vitoriosa resulta de uma competição feroz com uma multidão de outras teorias concorrentes. Os manuais ignoram os fracassos.
Vemos aqui igualmente um típico processo seletivo que autoriza também uma defasagem entre a verdade do mundo e nossa capacidade de controlá-lo. A mecânica newtoniana, cujo aparato conceitual possibilitou lançarmos o homem à lua, do ponto de vista da existência de muitas das suas entidades, é incompatível com a mecânica relativística. Por exemplo, para esta não existe realmente a força gravitacional e sim uma deformação do tecido espacial, Impresso pela matéria. Podemos agravar ainda mais a situação se pensarmos a marcha da ciência nos moldes popperianos. As melhores teorias (as propriamente científicas) são as que contém internamente o germe de sua destruição. Seu caráter de objetividade está, justamente, no fato de poderem ser refutadas. Acredito que Plantinga diria que o argumento do milagre nada mais é que a questão da eficácia levada ao estremo do poder tecnológico. Portanto continuamos num cenário cético (se admitirmos a supremacia seletiva).
Estou dizendo que Plantinga é imbatível? Certamente que não. Apenas insisto que a atenção deve voltar-se para outros focos. De minha parte desisti de atacar o viés probabilístico (que pensava ser decisivo), e o máximo que consegui foi enfraquecer a grandeza numérica obtida por Plantinga, sem, contudo, comprometer o cerne da conclusão pessimista. Resta o ponto delicado na maneira como é entendida a crença e a polaridade entre verdade e falsidade. Penso haver ai um truque lógico que não consegui desvendar. Mas é claro que posso estar enganado.
Para encerrar, embora tenha defendido a dispensa desse tipo de informação, devo dizer que sou ateu e materialista desde criancinha, não estando nem um pouco preocupado com os desdobramentos teológicos da discussão. Preocupa-me mesmo o fantasma do ceticismo.

Carlos Alberto Miraglia, 27mai2011

16 comentários:

João disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João disse...

Ok, por lapso não reparei no ler mais. E vejo que o filósofo convidado aderessa a minha argumentação.

Ele diz que "O problema principal é que, de fato, ninguém ainda conseguiu demonstrar a pertinência da verdade das crenças como vantagem seletiva. "

Fazer melhores explicações do passado e fazer previsões não permite planear?

Planear, não permite ter melhor sucesso?

AS explicações com maior poder explanatório e com mais capacidade de fazer previsões não são melhores que as outras? AFinal se não estiverem mais perto da realidade como poderiam ser tão consistentes nas suas previsões e evoluir em coerencia?

SE não houver nenhum critério para dizer o que é uma melhor explicação então nada se pode dizer, nem que a evolução é falsa.

Se houver um critério então que seja por completude e consistencia. E esse é o que temos quando avaliamos as explicações pelo poder preditivo e explanatório.

Aí tem a tal explicação que "ainda ninguém deu" satisfatóriamente. Satisfatóriamente para quem?

Se comeaçarmos a cortar a nosso gosto nas coisas que descobrimos qeu são as melhores explicações naturalmente podemos criar sistemas onde outras coisas bem estabelecidas não façam sentido.

Até isto é coerente e consistente com tudo o que sabemos.

Se ele acha que tem um critério de verdade melhor, mas que faz piores previsões e não explica nada, não há maneira de dialogar. É um solipsismo a meio gaz!

João disse...

Para os que ficarem confusos com a existencia de crenças selecionadas positivamente pensem em duas coisas.

Uma crença é avaliada na selecção natural em relação a outras.

Uma crença é formada a partir de informação colhida até esse momento.

O que é mais perto da verdade? O falso positivo ou o falso negativo? Eu diria que são ambos igualmente longe.

Mas um permite em situações pontuais e que ocorreram na evolução um comportamento mais bem sucedido. Nessa altura e dada a informação disponivel não era possivel ter melhor crença. O subrenaturalismo já foi de facto a melhor explicação possivel. Ja não é porque estamos a adquirir cada vez mais informação - e nem que seja só por isso - a caminhar para melhores respostas.

Mas eu não creio que a crença que diz que há intencionalidade e que leva a fugir de tudo seja pior que a que diz que nada é intencional e se deixa comer vivo.

São igualmente erradas. Mas não mais nem menos. Afinal é a pergunta do qeu é mais errado o falso positivo ou o falso negativo.

Depois é preciso ver que uma crença demora a perder-se. E uma crença só será substituida por uma melhor, já que as neutras ou equivalentes tendem a acumular-se (ver mutações neutras, SNPs, relogio molecular).

É obvio que a crença que será feita com mais informação e que distinga que nem tudo nos quer comer mas algumas coisas sim e como melhor as reconhecer vai ser mais eficaz. Se não é obvio é dificil. AO fim e ao cabo na luta do conhecimento há sempre alturas em que temso de dizer "é isto, vê". Nem que seja que 1 mais 1 só podem ser 2, ja que as tentativas por demonstrar tal facto caiem sempre em armadilhas godelianas.

Os pressupostos que têm de ser postos em causa para desabar a teoria de que melhores crenças dão origem a melhores comportamentos, embora nem sempre o melhor comportamento tenha origem na melhor crença (pode ser igualmente ma), são extremamente importantes para iniciar sequer qualquer conhecimento.

Afinal o que é a melhor explicação? Não é preciso que o modo de a obter seja também o melhor?

Eu aposto na consitencia e completude para comparar teorias, e na coerencia e consistencia de afirmações e na capacidade de fazer previsões.

Se isto não é melhor, batatas filosoficas. Vale tudo.

João disse...

Aqui está uma discussão apoiada em dados empiricos para que a inteligencia seja a capacidade de tomar melhores decisões para novas situações e de que isso seja adaptativamente melhor:

http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/03/porque-e-que-os-liberais-e-ateus-sao.html

Agora cada um acredita no que quiser, mas se a evolução tem demosntração independente da inteligencia, se a indução aumenta a plausibilidade e se isto não é tudo uma ilusão, então se a inteligencia permite ter mais sucesso ela levará a ser selecionada pela evolução.

KO! perdão,

QED.

João disse...

Só mais um comentário :P

Peço desculpa ao filosofo que tiver de ler estes textos pela desorganisação. São de facto duas linhas distintas de argumentação com conceitos diferentes para inteligencia.

Eu não sou filosofo e nunca disse que os cientifilos eram mais organisados qeu os filosofos na argumentação. Pelo contrário. Por outro lado não tive mesmo oportunidade para estar só a fazer isto desde que li o desafio renovado, mas estas coisas são como iscos para mim.

Conto com o principio de caridade para por ordem nisso e disponibilizar qualquer outra explicação de algo que possa ser obvio para mim mas não ser para os outros.

Por exemplo, lembrei-me de outra coisa. A selecção é uma questão probabilistica. Podem ser selecionadas piores crenças por circunstancias pontuais como disse antes.

O argumento é de que poder planear e interpretar correnctamente uma situação, portanto ter uma crença mais próxima da verdade, vai dar mais probabilidades de sucesso. Não vai resultar sempre e o mesmo se passa com os genes por exemplo na deriva genetica.

Por outro lado, em exemplos como o que dei acima, a selecção pode não distinguir por vezes entre crenças que estejam muito perto de estarem igualmente erradas mas tenham resultados muito diferentes. Não quer dizer como disse antes que até não possa estar ligeiramente mais acertaqda que a outra, não sabemos o grau de especificidade e a sensibilidade do processo de selecção para a eficacia dos comportamentos e eu aqui propronho e assumo que não sejam de 100% em nenhum dos casos. Mas se for de 60% já vai conseguir selecionar mais vezes os melhores comportamentos. E tem de ter saldo positivo porque iso seria assumir que os piores e que correm mais riscos são os mais bem sucedidos.

É uma questão de granularidade que é ultrapassada por haver uma linha de tempo em que pode surgir uma crença que se distinga na selecção natural por produzir melhores comportamentos. Se o comportamento for muito melhor, a minha posição é que entre as razões para isso aparecerão com frequencia o facto de estar mais perto da verdade.

Mesmo que não aconteça sempre ser essa a razão, algumas vezes terá de ser.

Ou isso, ou a capacidade de prever, compreender e planear não têm nada a ver com a verdade.

Nesse caso, então, estamos perante um problema muito mais profundo como tenho dito. Que é não termos ponta por onde se pegue para discernir entre duas afirmações.

A natureza no entanto não parece ter tido esse problema o tenmpo todo.

Tal como a entropia a micro escala anda para trás, também o seu oposto, a evolução em microscala anda para trás. Mas no quadro macroscopico e no cenario grande, cada uma vai na sua direcção. A analogia é pertinente, pois pode estar mais relacionada que o que parece à primeira vista, dada a dependencia da compreensão de uma com a outra. (Temos o SOl a dar energia , nada de panico)

Como é que eu sei que foi assim que as coisas aconteram?

Resumindo:

Porque a evolução tem demonstração independente e suportada pela fisica (estruturas dissipativas) e se a evolução é um facto e a inteligencia existe e permite melhor sucesso (e alem disso ter uma aproximação à verdade ) então é porque é mais plausivel atribuir a sua genese à evolução que a qualquer outra coisa ( por Occam)

Porque sabemos que algumas nutações lesivas podem ter efeitos beneficos pontuais mas no quadro maior estão limitadas (anemia falsiforme) e aqui a memetica ajuda a fazer o caso pela analogia,

Porque se definirmos a inteligencia como a caracteristica que permite , entre outras coisas, a melhor resposta em cenários evoluticos novos, descobrimos que a inteligencia só pode ter sido originada pela evolução, quase com a definição a chegar para dizer que se tal coisa aparecer então vai ser amplificada. A noção que a inteligencia é uma qualidade que serve para discernir entre duas afirmações parece ser bem suportada por testes. Claro que outras coisas contam como a disposição, o tempo disponivel, etc.

Não estou a lembrar-me de nenhum buraco para tapar por isso aqui vai.

KO

João disse...

"O argumento é de que poder planear e interpretar correnctamente uma situação, portanto ter uma crença mais próxima da verdade"

E que para poder planear e fazer previsões é preciso estar mais proximo da verdade.

João disse...

Faltava mais um. O qeu vale é que não se paga para comentar. :P

Pablo Gusmão Rodrigues disse...

Opinar sobre uma idéia que provém de alguém com status de filósofo ou que, no mínimo, é um grande estudioso de filosofia, sempre provoca um receio de que a resposta pensada seja uma tolice, por incompreensão ou por ser muito óbvia e, portanto, já conhecida e refutada, considerada superada, etc. De qualquer modo, nem teria a pretensão de resolver a questão, apenas deixo aqui os questionamentos que me ocorreram, no intuito de contribuir para a discussão (se digo aqui grandes bobagens, humildemente peço que sejam apontadas).



Pois bem: Plantiga cita uma declaração de Dawkins de que a evolução permitiria que fosse um ateu intelectualmente realizado, provavelmente em referência ao fato da evolução fornecer uma explicação para a complexidade da vida que prescinde da figura de um criador. Todavia, para Platinga, naturalismo e evolucionismo seriam incompatíveis, e a razão dessa incompatibilidade, pelo que entendi, e o que acho que é ilustrado na sua metáfora dos "sapos pensantes", seria mais ou menos essa: se a crença naturalista, como produto da neurofisiologia humana, evoluiu por seleção natural, evoluiu por ser adaptativa, independentemente de ser verdadeira ou falsa; então, o naturalista evolucionista não pode ter certeza de sua crença. É isso? Ou tem mais coisa? Se for mais ou menos isso, eu diria o seguinte:.



Primeiramente, acho questionável a premissa de que uma crença seja produto da seleção natural. De qualquer modo, talvez não faça muita diferença discutir a respeito do papel da seleção natural na evolução (tema, inclusive, controverso na Biologia), pois, independente da causa de origem da característica - se foi "moldada" gradualmente por seleção natural, ou surgiu por algum processo relacionado à biologia do desenvolvimento, ou evoluiu como efeito colateral de uma pressão seletiva relacionada à evolução de outra característica ("exaptação" ou “adaptação cooptada”) - esta terá se estabelecido, como padrão ao longo das gerações, por ser adaptativa. Por isso, penso que o questionamento dos processos causais implicados na premissa mencionada pode ser mais contundente se enfocar a natureza da característica (no caso, a crença). Nesse sentido, eu destacaria dois aspectos relacionados a um possível determinismo neurogenético da crença: (1) crenças complexas podem ter sua origem associada a taxas diferenciais de sobrevivência e reprodução? (2) pode-se afirmar que uma crença é determinada pela neurofisiologia?

(segue...)

Pablo Gusmão Rodrigues disse...

(seguindo...)


Quanto à primeira questão, já vi explicações sociobiológicas para a origem das religiões, mas não sei se haveria para o naturalismo/materialismo (?). Um desdobramento da mesma questão seria abordar a influência cultural na formação da crença, até porque, mesmo características físicas (no sentido de "não psíquicas") de muitos organismos, são adquiridas (e não inatas) ao longo de sua ontogenia em função do ambiente. No caso das crenças, como qualquer outro fator cultural, temos características que são transmitidas para outros indivíduos por meios culturais, não genéticos e independentes de reprodução. Com respeito à segunda questão, certamente, a crença, em cada indivíduo, é "processada" por sua neurofisiologia, não havendo, então, por uma visão naturalista/materialista, alma, espírito, ou qualquer ente no qual a crença de um indivíduo possa existir independente de seu organismo (o "processamento" da crença no indivíduo acaba com a inatividade de seu cérebro). Entretanto, a crença, por si, uma vez elaborada em algum cérebro, pode continuar existindo como um fator cultural e, no que tange ao seu conteúdo (a crença propriamente dita), não há como dizer que é, pelo menos não exclusivamente, biologicamente determinada (ninguém seria reducionista a este ponto, eu acho). Enfim, contrariando determinismo biológico reducionista, e sem negar a evolução biológica e a concpeção naturalista/materialista da mente, eu diria que a cultura, de modo geral, poderia ser considerada uma "propriedade emergente", a qual, ainda que abranja muitas características adaptativas para a espécie, passou também a evoluir pelas suas próprias interações (e seleções).



Ademais, independente de como evoluiu biologicamente, por seleção natural, e/ou de como foi psicológica e socialmente produzida, uma crença normalmente não é justificada como correta pela sua origem. E então chegamos a outro ponto: a justificação da crença. Utlizando a metáfora dos sapos como exemplo, a crença do sapo que comia moscas achando que isso lhe faria bem, poderia ter sido embasada na constatação de que sapos que não comiam morriam. Por sua justificação, esta crença poderia ser considerada mais consistente do que a crença do outro sapo, que achava que comendo moscas poderia um dia se transformar em um príncipe, sem ter qualquer evidência disso, mas baseado em uma antiga narrativa constante em um livro cuja leitura é incentivada de geração para geração, segundo a qual, há cerca de 2 mil anos um sapo virou príncipe por ter comido uma mosca sagrada.


Contudo, ainda acho que os questionamentos mencionados até aqui não invalidam o argumento de Plantiga. (segue...)

Pablo Gusmão Rodrigues disse...

(terminando...)


Contudo, ainda acho que os questionamentos mencionados até aqui não invalidam o argumento de Plantiga. Em primero lugar, as premissas não chegam a ser completamente refutadas, sobrando uma margem, exatamente sob a perspectiva que embasa lógica do argumento, ou seja: a impossibilidade de se ter certeza da veracidade da crença naturalista. Tentanto fazer uma analogia computacional (ressalvadas suas limitações), eu diria que um programa qualquer de processamento de dados, de qualquer natureza, pode ser muito eficiente e gerar resultados com alto grau de precisão, mas não poderíamos eliminar a possibilidade de seus algorítimos levarem a resultados errados, se soubermos que o software fora desenvolvido visando somente à interface com maior apelo comercial (essa seria a "pressão seletiva"). No caso da crença naturalista, pode-se contrariar a premissa de que a crença tenha evoluído por seleção natural e seja apenas produto da neurofisiologia, mas isso somente apontaria incorreções na explicação causal para a crença. Ainda assim, independente de todas as variáveis culturais e biológicas que podem determinar o pensamento de um naturalista, esse pensamento é sempre "processado" por sua neurofisiologia, e, portanto, pode ser distorcido por "erros de sistema" (neurofisiologia) ou de "hardware" (cérebro) que passaram incólumes pelas pressões seletivas, a medida em que influenciaram positivamente, ou, pelo menos não reduziram, as taxas de repodução e sobrevivência ao longo da evolução humana. E, em segundo lugar, o fato da crença ser justificada pelo que se entende por comprovações também não refuta a possibilidade de que esta esteja errada, uma vez que suas evidências abrangem outras crenças que, por sua vez, também são suportadas por crenças. E chegando ao que poderiam ser consideradas, por não envolverem maiores elaborações conceituais, as mais primárias de nossas "crenças comprobatórias", as quais dão suporte a tudo que pensamos, ou seja, aquilo que percebemos pelos nossos sentidos, também não podemos refutar a possibilidade de nosso próprio sistema sensorial e toda nossa neurofisiologia, embora adaptativos, não traduzirem de forma correta a realidade do ambiente que nos cerca.



No entanto, é exatamente ao se tornar aplicável a tudo e ser invensível (para mim, pelo menos), que, na minha opinião, o argumento de Plantiga se esvazia de sentido. Porque caímos num questionamento muito antigo, que não sei se é infantil ou profundo, mas, provavelmente, insolúvel e, para mim, inútil: tudo pode ser uma ilusão (desde que adaptativa). E, para tanto, nem seria preciso ser discutida a seleção natural, pois a possibilidade de vivermos iludidos pode ser aventada diante de qualquer hipótese de causa para a origem das crenças humanas, à exceção única da suposição de que um criador perfeito moldou nosso sistema nervoso (ainda que com algumas "imperfeições") para captar perfeitamente a realidade (também criada por ele).



De qualquer forma, é somente de acordo com as representações, talvez ilusórias, que fazemos da realidade, que podemos viver e tentar comprovar quais, das tantas crenças, estariam mais coerentes com o que, de fato, observamos e entendemos como evidência (ilusão ou não). Obviamente, se o que parece real pode ser ilusão o inverso também pode ocorrer, mas, pelo que se pode captar do que pensamos ser real até o momento, a crença no tal criador é que ainda me parece ser uma ilusão.

Marco Idiart disse...

Caro Jorge e outros

Eu sinceramente não vejo nada de espetacular no argumento do Plantinga. É simplesmente alguém que não conhece teoria da probabilidade e nunca ouviu falar em correlação.
Só podes multiplicar probabilidades se os eventos (crenças) são independentes. A probabilidade de algo ser verdadeiro ser 1/2 é para algo da qual não tens informação ou experiência. Logo ele prova que a probabilidade de haver 1000 crenças irrelevantes e independentes serem verdadeiras é muito baixa.
Ok. Concordo, mas o que isto tem a ver com o problema?
O que nos interessa são crenças altamente dependentes do meio ambiente e altamente correlacionadas (via seleção natural). Ai a conta é mais difícil.
Conclusão: o cara tem que estudar mais...

Marco Idiart disse...

Explicando um pouquinho mais.
A seleção natural propiciou um cérebro que busca coerência das suas representações internas do mundo exterior. Este cérebro construido desta forma é que dá vantagens ao seu possuidor.
Este cérebro não produz crenças aleatorias e independentes. Produz crenças correlacionadas e associadas as experiências.
Assim a seleção não atua nas crenças, atua sim na correlação internas delas.

Jorge Quillfeldt disse...

Bom João e demais interessados,

Parece que apagaste teus primeiros comentários, não? Folgo em saber que finalmente leste o primeiro parágrafo de minha postagem, onde expliquei quem escrevera o texto (mas não vai aí nenhum apelo à autoridade), limitando-me eu a contextualizá-lo. Mesmo assim, originalmente já havias disparado diversos e efusivos comentários. Isto é sintomático de muitos das contribuições que ando lendo aqui: atirar primeiro e pensar depois (se tanto!). Ter alegria e confiança nas próprias convicções é certamente saudável, mas não quando esta obnubila a percepção fina e caricaturaliza o espírito crítico.

Como estou no trabalho e sem tempo real de entrar a fundo nos vários pontos que tu e outros levantam (especialmente devido à elevadíssima densidade de confusões conceituais aliada ao emprego serial de falácias diversas). Ficarei apenas neste pré-comentário - um aperitivo, se quiseres.

A meu ver, a maioria aqui (neste blogue e n'algumas listas de que participo) está (a) ignorando o papel da lógica e da análise filosófica do discurso (que é o núcleo da filosofia analítica atual), tentando como que "diminuí-la" diante da ciência (ou meramente descartando-a), ao passo que (b) estão tentando "cientifizar" questões que residem fora do escopo mais precisamente "científico" - isto é, do conjunto de enunciados-hipóteses acerca do mundo real que podem ser falseados. Ou seja, estão a tentar puxar o debate para o campo dos "fatos", para então "lapidá-lo" - à moda dos fundamentalistas (?) - com fatos da evolução e da natureza...

Plantinga comete erros de lógica e de construção do argumento, mas não são tão primitivos. Ao contrário do que vários disseram, ele sabe MUITO bem o que é correlação, etc, etc. E exatamente por saber disso, ele conseguiu montar essa armadilha conceitual para que nós - os ateus - caíssemos como patinhos, embalados pela moda neoateísta de justificar o ateísmo apenas pela sabedoria advinda do Darwinismo.

(bem, se fosse assim, como seria possível ser ateu ANTES de Darwin? e olha que naquela época tinha ateus muito mais fodões que os de hoje.)

... CONTINUA

Jorge Quillfeldt disse...

... CONTINUANDO (E TERMINANDO):

Plantinga é um adversário sofisticado, pode-se mesmo odiá-lo (?), mas deve-se respeitá-lo (!), porque qualquer resposta descuidada rebota contra quem ataca... Para "destroçá-lo", só com as ferramentas certas. Em algumas postagens essas respostas já apareceram (pelo menos suas referências), mas ninguém notou (sequer leu): passaram batido.

Postei esse "desafio" para oportunizar conhecermos melhor esta forma de argumentação e aprendermos juntos a desconstruí-la, do jeito certo e mais eficaz. Senão damos vitória fácil a eles de saída! A situação é parecida com a "resposta" ao "Desenho Inteligente" quando primeiro apareceu (ou ao "Princípio Antrópico", alguns anos antes): vários ficaram muito confusos e atormentados. Tratavam-se, porém, de falácias bem elaboradas, "pega-ratões" conceituais armados para confundir.

Veja, não estamos em lados opostos, somos racionalistas, fisicalistas e "ateus" - ou o termo homônimo que melhor te caia (de minha parte, tecnicamente sou agnóstico, e pessoalmente, apateísta). Mas alguns de nós estamos muito preocupados com uma subcultura arrogante e hipersimplificante que pretende sobretudo "vencer" outros pontos de vista - ao invés de CONVENCER , custe o que custar, "provando" definitivamente e para todo o sempre que "a ciência está com a razão". E não é para tanto, há inúmeros contextos em que a ciência não tem nada a opinar, e eles são igualmente válidos e relevantes em nossas vidas.

E o pior, passa uma impressão completamente errada do que é e como efetivamente funciona a CIÊNCIA. Quando vem embalado nesta impaciente e estridente verborréia cientificista (e olha que também sou cientificista!), então, damos de mão beijada um presente aos teístas: provamos a eles que também podemos ser dogmáticos, inflexíveis e arrogantes.

Bem, fico por aqui por ora. Voltarei ao tema. Lamento a extensão para um comentário que diz tão pouco, mas como dizia Voltaire (acho que foi ele), "se tivesse mais tempo, escreveria menos".

Pablo Gusmão Rodrigues disse...

Acho válidas as advertências quanto aos comentários apressados, que subestimam o "adversário", ou estão mais preocupados em contra-atacar do que se defender do golpe. Apenas faria uma ressalva com relação às tentativas de (ajudar a) desmontar o argumento do Plantinga com argumentos científicos (ou cientificistas), ou mesmo enfocando a forma como ele utilizou a Probabilidade (que até, na minha opinião, era mais para fins ilustrativos do que o cerne do argumento). Porque, embora existam discussões filosóficas bem "duras" sobre a existência de Deus, especificamente esse argumento do Plantinga, envolve seleção natural, de modo que o apontamento de algum erro relacionado a isso poderia enfraquecer suas premissas. De qualquer modo, parece que não está funcionando... Então, humildemente, pergunto duas coisas:

1) Existe algum indício de falha lógica no argumento?
Torço para que alguém aponte, mas eu "joguei a toalha".... Se pensarmos na justificação de nossas crenças, chegaremos a outras crenças... E o que nos faz pensar que uma crença mais confiável que outra, pela coerência com outras crenças e com o que podemos observar empiricamente, por sua capacidade preditiva, etc... não invalida a possibilidade de um acúmulo de falsidades adaptativas, fazendo com que uma crença falsa seja embasada em outras também falsas e, assim por diante, até nosso sistema sensorial, que pode também nos levar a ilusões (desde que não diminuam as taxas de reprodução e sobrevivência).



2) E se, por acaso, o argumento for mesmo logicamente invencível? Chegamos a algum lugar?
Devo estar dizendo uma grande tolice, mas, ao cabo do meu exercício (mal feito) de tentar achar alguma falha no argumento, ficou me parecendo que esta incerteza quanto às crenças adaptativas seria similar à incerteza quanto à existência de uma verdadeira realidade extrínseca a nós (ou se somente só podemos fazer representações do que nos cerca). E acho que se aproxima também daquela impossibilidade de comprovar a inexistência do inverificável. E, juntando tudo: pode ter sido adaptativo evoluir sem a capacidade para perceber os espíritos, ou o dragão na garagem, ou o bule em órbita, etc. Talvez, uma certeza para além do que se mostra mais confiável e plausível diante do que podemos entender/representar da realidade, só o dogma garanta.

Jorge Quillfeldt disse...

ERRATUM

Pois é, errei de francês!

Não foi Voltaire, foi Pascal quem
originou a frase viral que já foi atribuída a Voltaire, Hemingway, Cicero e Mark Twain: "Je n'ai fait celle-ci plus longue que parce que je n'ai pas eu le loisir de la faire plus courte" (Blaise Pascal, Lettres Provinciales, 1657).