domingo, 26 de abril de 2009

Darwin ensina a aceitar as diferenças?

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Artigo publicado na revista Adverso, abril 2009.

Aldo Mellender de Araújo


Este ano de 2009 irá se caracterizar pela presença muito freqüente, na mídia e nos meios acadêmicos, de Charles Darwin, o pacato cidadão que nasceu no dia 12 de fevereiro de 1809, portanto há 200 anos atrás e que mudou a nossa maneira de ver o mundo.

À época em que ele nasceu e viveu, todos os seres vivos eram tidos como criados, no passado, tal qual se mostram hoje, sem qualquer mudança. É o que se chamou de fixismo: as espécies, incluindo a nossa própria, seriam fixas, isto é, imutáveis. Pois ele sugeriu, baseado em intensos e extensos estudos, principalmente após a sua viagem de quase 5 anos pelo mundo – viagem em grande parte (3 anos), passada aqui na América do Sul - que todos os seres vivos, sem exceção, modificaram-se ao longo do tempo, desde um início muito antigo. A abelha que hoje vemos formando colméias e produzindo o tão apreciado mel, no passado não era assim, não era nem mesmo um inseto social, como é hoje. As aves que hoje nos encantam com sua beleza e muitas delas, com seu canto, foram diferentes no passado, há milhões de anos atrás.

Na verdade, estudos já no século XX, mostraram que elas vieram – elas evoluiram - de um grupo de dinossauros!! O termo, evolução, surgiu a partir dos estudos de Darwin. A evolução de qualquer ser vivo, não quer dizer que ele tenha melhorado, mas simplesmente se modificou. Nós é que emprestamos um outro sentido à palavra evolução. Na mesma obra em que essas idéias eram defendidas, A Origem das Espécies (1859), ele criou o conceito de seleção natural, o qual utilizou para explicar a causa das modificações em todos os seres vivos.

Nós, humanos, também no passado fomos diferentes: de um início como uma forma simiesca, no leste da África, mudamos nossa maneira de caminhar, para bípede, mudamos nossa maneira de pensar e adquirimos toda esta inteligência criativa que nos orgulha muito. Aliás, nossa origem africana havia sido prevista por Darwin, especialmente em uma outra obra importante, A Descendência do Homem e a Seleção Sexual (1871).

Ao propor que todos os seres vivos se modificaram, a partir de formas ancestrais, diferentes, Darwin criou a imagem de uma árvore da vida. Todas as folhas desta árvore, que estão na parte externa dos ramos, representam os seres vivos atuais; as internas, os extintos. Esta imagem da árvore nos leva à conclusão de que no passado muito remoto, todos vieram de um ou poucos ancestrais (como a convergência dos galhos no tronco da árvore). De fato, estudos de biologia molecular tem confirmado esta inferência.

Qual a implicação desta idéia? Todos constituimos uma família!! Somos, portanto, parentes uns dos outros. Nós, humanos, por exemplo, temos os nossos parentes mais próximos, o chimpanzé e depois o gorila. Darwin também sugeriu este parentesco, o que foi confirmado muito depois, no século XX, com estudos aprofundados de anatomia, morfologia e biologia molecular. Extrapolando um pouco as idéias de Darwin, podemos admitir uma fraternidade, uma irmandade entre os seres vivos e muito particularmente entre nós, humanos. Não se trata de uma concepção religiosa, mas a idéia de uma irmandade ampla entre todos nós humanos, tem um suporte biológico. Como irmãos em uma família temos nossas diferenças: alguns são mais altos, outros mais gordos, alguns possuem pele bem clara, enquanto outros tem pele escura, alguns tem cabelos lisos, outros não e assim por diante.

Na perspectiva darwiniana não há um povo escolhido, muito menos um povo que representa o mal. Somos todos iguais do ponto de vista biológico, no sentido de fraternidade. A simples diferença não implica na qualificação como melhor ou pior. É por isso que celebramos Darwin: por intermédio de algumas idéias e conceitos simples, ele revolucionou o mundo acadêmico e também o modo como nos vemos no dia a dia.

Há uma luta pela vida, como ele próprio disse. Mas a expressão “luta”, que ele empregou não significa necessariamente briga, beligerância, morte.

Darwin também mostrou que a cooperação pode evoluir, isto é, uma espécie que é solitária hoje, poderá ser social amanhã. É o caso da nossa espécie: podemos ser cooperativos e de fato somos, na maior parte das vêzes, mesmo quando não ocorrem crises, como no caso das recentes enchentes em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Cooperamos, quando formamos casais e temos nossos filhos – às vezes, infelizmente isso termina. Cooperamos, quando resolvemos entrar para a política e trabalhar para a coletividade – às vezes, infelizmente o fazemos de modo desvirtuado. Esta é outra parte da revolução de Darwin: nossa vida social, nossos hábitos, nossos costumes, nossas crenças, se modificaram ao longo do tempo. É o que veio a ser conhecido como evolução cultural.

A cultura, nossos costumes, nossas tradições, nossa ciência, é um sub-produto da nossa evolução biológica: à medida que nos tornamos mais e mais inteligentes, criamos sistemas culturais. Como estamos distribuídos em vários continentes e dentro destes continentes, em grandes espaços, nossas culturas diferem.

Na perspectiva darwiniana, podemos aceitar a religião como mais um aspecto de nossa evolução cultural. Em conseqüência, da mesma forma que aceitamos e respeitamos as diferenças culturais entre nós gaúchos e nossos irmãos dos demais estados do Brasil, ou em relação a outros países, também devemos respeitar e aceitar as diferenças culturais entre as diversas manifestações religiosas e, talvez mais importante ainda, devemos aceitar e respeitar o ateísmo e a religiosidade. É possível mesmo afirmar que se o Adão e a Eva bíblicos, morreram, o homem e a mulher biológicos, foram ressuscitados, com todas as suas responsabilidades.




Aldo Mellender de Araúdo é professor do Departamento de Genética,
Instituto de Biociências, UFRGS.

4 comentários:

Patola disse...

Tudo isso pra no final dizer que temos que "respeitar" religiões? Nem ateísmo nem religiosidade nem opinião nenhuma deve ser respeitada, incluindo vieses de culturas diferentes. Devem ser todas submetidas ao escrutínio se possível científico e se não possível pelo menos próximo disso. É como Dawkins diz: a religião parece ter uma "imunidade" que outros assuntos não tem - você pode xingar um time de futebol pelo seu técnico ruim ou um partido político pela sua mentalidade tacanha, mas não pode xingar uma religião por inferiorizar mulheres obrigando-as a usar burka.

Jorge Quillfeldt disse...

Caro Patola:

O texto fala em respeitar e aceitar, mas isso não significa necessariamente poupá-las de qualquer "escrutínio"(científico ou não, nas tuas) palavras. Sei que essa seria uma das acepções (fracas) da palavra "respeitar", mas honestamente não credito que sejam necessariamente a mesma coisa. Eu acho que se pode, sim, respeitar as crenças de outrém, e mesmo assim, discutir o que se quiser. O ônus da ofensa é deles, não meu, e se houver intolerância, então "partimos pro pau", mas nunca se deve tomar a iniciativada intolerância primeiro.

Quando dizes "Nem ateísmo nem religiosidade nem opinião nenhuma deve ser respeitada, incluindo vieses de culturas diferentes", fico meio apavorado com o real significado de tuas palavras.

Ney Lemke disse...

Para vossa reflexao

EVOLUÇAO CRIATIVA DAS ESPECIES
GOSWAMI, AMIT

Explicar a origem e o desenvolvimento da vida na Terra é um desafio que ainda hoje divide opiniões. Se os darwinistas acreditam em uma evolução contínua, fruto de meras reações químicas em que não há espaço para Deus, os criacionistas negam essa evolução, afirmando terem sido todas as espécies criadas por uma inteligência onisciente, ou divina. Neste livro instigador, o físico quântico Amit Goswami integra conceitos dessas duas correntes, criando assim a base para uma nova biologia, que ele denomina Evolução Criativa. Na obra, sua concepção gera um novo paradigma científico e tenta provar que, na explicação da vida, há espaço tanto para a evolução das espécies quanto para Deus.


Sobre o autor:

GOSWAMI, AMIT
Amit Goswami, importante físico da atualidade, é conferencista, pesquisador e professor titular no Instituto de Ciências Teoréticas da Universidade de Oregon, é Ph.D. em física nuclear. Nascido na Índia, filho de um guru hinduísta, Goswami alia em seu trabalho o conhecimento das tradições místicas com seu amor pela exploração científica. Há cerca de 20 anos está envolvido em estudos que buscam conciliar ciência e religião. Já foi rotulado de místico pela comunidade científica, mas calou os críticos por meio de várias publicações técnicas a respeito de suas teorias. Autor de inúmeros artigos científicos sobre física quântica, escreveu também várias obras abordando a relação física-espiritualidade, dentre as quais se destacam 'A Física da Alma', 'O Universo Autoconsciente', 'A Janela Visionária' e 'O Médico Quântico'. Tornou-se mundialmente conhecido ao participar e expor suas idéias no filme 'Quem Somos Nós?' (What the Bleep Do We Know!?)

Fernanda Steffens disse...

De fato, este Goswami é um físico nuclear bem velhinho, com 48 trabalhos publicados em revistas, como o Physical Review etc. Mas ele é também um cara que usa a física quântica, mais um, e suas interpretações, tipo Copenhague, para falar da alma e da consciência e tudo o mais. Os trabalhos dele, contrário ao que diz na sinopse, não calou nunca a boca de ninguém: são bem comums. E não são sobre suas teorias da física da alma, são sobre física nuclear de baixa energia. Não é o primeiro nem o último. Teve um outro físico de partículas que hoje é um pastor, e era um cara mais ou menos parecido na área...

Por outro lado, saiu no Estado de São Paulo neste último domingo uma entrevista com um matemático de Oxford, Coxx o nome dele, que defende o design inteligente.
Ele veio ao Brasil, ao Mackenzie em particular, para falar numa conferência sobre
Darwinismo.