terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Onde vai parar a separação Igreja-Estado?

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Um dos pilares do sistema Republicano é a laicidade do Estado. Na Constituição Brasileira de 1988 isto está assegurado no Art. 19:

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;


Pois nosso presidente acaba de assinar um novo tratado com o papa Bento XVI no qual , mesmo ainda dependendo de aprovação pelo Congresso (o que só depende do poder de fogo dos deputados e senadores da Universal... saberemos, enfim, quem é maioria lá!) introduz pelo menos duas novidades preocupantes: (1) não só exclui os religiosos profissionais do mundo do direito do trabalho, como também (2) tenta direcionar a introdução de ensino religioso no ensino público (um tema ao qual poucos de nós temos dado suficiente atenção) estabelecendo a hegemonia de um dos credos - o católico - sobre os demais (quando fala em "ensino religioso", complementa dizendo "ensino religioso, católico e de outras confissões"...

Muitos não sabem, mas o ensino religioso é facultado no ensino público brasileiro pela Constituição Federal Brasileira, e deve ser oferecido no horário normal das aulas - competindo, portanto, em tempo com as demais matérias; é o que diz o parágrafo 1o. do Art. 210:

O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Conheça aqui a íntegra do tal acordo.

Não só estão mais uma vez a desrespeitar a Constituição, estão a fazer-nos retroceder a eras pretéritas, onde a mais antiga monarquia absoluta (mesmo que eletiva) do planeta - o vaticano - ainda consegue determinar como cada um de nós deve viver!

E nós, vamos ficar quietinhos?


A Carta e o Vaticano
Mauricio Dias
Carta Capital (seção: Rosa-dos-Ventos) - 12/01/2009

A crise do mercado abafou o debate sobre a decisão do presidente Lula de, em novembro de 2008, durante visita ao Vaticano, assinar com o papa Bento XVI o tratado que regula o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil. A oficialização, no entanto, ainda depende da aprovação do Congresso Nacional.

A sociedade civil foi apanhada de surpresa. Mas há uma forte reação, embora desprezada pelos meios de comunicação, que, como se sabe, obedecem quase todos, quase cegamente, aos mandamentos da Santa Sé. A decisão, no entanto, não pode ficar à margem do debate.

“Há pelo menos dois pontos absolutamente controversos no acordo. Um sobre as relações trabalhistas entre os padres e as dioceses, e outro, não menos importante, sobre o ensino religioso nas escolas públicas”, alerta o antropólogo Emerson Giumbelli, professor de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ao definir que não há vinculo trabalhista na Igreja, o acordo põe a questão inteiramente fora de debate e cria um privilégio. Caberia à Justiça do Trabalho, por exemplo, analisar uma das questões que Giumbelli levanta: “Por que o vínculo religioso caracteriza a ausência de vínculo empregatício?”

Em outras palavras, o Estado brasileiro abrirá mão de definir a natureza dessas relações, indiferente às leis trabalhistas.

O problema cresce em importância quando entra em discussão o artigo 11 (dos vinte artigos que compõem o acordo), que trata do ensino religioso. Os termos utilizados no documento estão na Constituição Federal (artigo 210) e na Lei de Diretrizes e Bases (artigo 33). Emerson Giumbelli, que também colabora com o Instituto de Estudos da Religião (Iser), discorre sobre o problema:

“A Constituição refere-se genericamente ao ensino religioso. O texto do Acordo, no entanto, estabelece: ‘ensino religioso, católico e de outras confissões’. Há dois problemas aí. O primeiro é que no Acordo apenas uma das confissões, a católica, legisla sobre as outras. O segundo é que ele insinua a maior pertinência de um modelo confessional de ensino religioso, no qual os alunos são separados de acordo com seus credos e os docentes e conteúdos programáticos passam pelo crivo de autoridades religiosas”.

A inclusão, no texto do Acordo, da palavra “católico” desvirtua o texto da Constituição.

Por trás da questão há muitas perguntas ainda sem resposta. A principal delas: há necessidade do ensino religioso como disciplina na escola pública? Giumbelli lembra que o tratado é mais danoso por intervir e antecipar o fim de um debate complexo, inconcluso.

Estando na Constituição o tema não está fechado ao debate. Mas, se o Acordo entrar em vigor, a discussão morre. Roma locuta, causa finita.

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