Sei que falar de religião é perigoso. Mais perigoso, por exemplo, do que afirmar que um torneiro mecânico pode ser presidente da República e sair-se melhor do que o príncipe dos sociólogos. De minha parte, rejeito os dogmas de qualquer espécie. Respeito a fé, mantenho desperto, porém, meu espírito crítico. Embora recorde com saudade e enlevo as Marcelinas antifascistas da minha infância, não engulo a hipocrisia e as prepotências da igreja. Em relação a Cristo, faltam-nos, infelizmente, informações historicamente satisfatórias, mas a figura é grandiosa e não me parece difícil enxergar um revolucionário, mártir da igualdade. Subversivo na acepção mais ampla e profunda, vinha, a condensar o pensamento rebelde soprado do oriente e aportado enfim às margens do Mediterrâneo, para proclamar o significado da vida e a importância do ser humano, no singular e no plural. O verbo de Cristo abala os equilíbrios de então e a própria concepção do Império, e os romanos o crucificam, com a transparente e obsequiosa aprovação dos senhores do lugar, eles próprios a se sentirem ameaçados. Pilatus não é, creio eu, a personagem olímpica que lava as mãos, ele é o mandante. Ninguém está mais distante da igreja católica, da imponente instituição, do que Cristo. Julgado por um Belarmino, em lugar da cruz teria de enfrentar o fogo da pira. Agora, um esclarecimento: sim, meu lado itálico pulsa de anticlericalismo, por razões estritamente históricas e políticas. Foi a igreja, a exercer até limites extremos e hediondos seus poderes temporais em nome de Deus e de Cristo, o primeiro e mais forte impedimento para a unificação da Itália, qual fosse esta uma questão espiritual. E foi a igreja, e continua a ser, interferência determinante na vida italiana, sempre e sempre daninha de todos os pontos de vista. A história dos países católicos europeus, da Espanha sobretudo, não é muito diferente.
Postado no Blog do Mino em 27.10.2008.