quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Péssima notícia: Lynn Margulis morre aos 73 anos

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Lynn Margulis, autora da teoria endossimbiótica da origem de algumas organelas celulares, morreu ontem, aos 73 anos, após um derrame ocorrido na semana passada. Ela trabalhava há 23 anos na Universidade de Massachussets (após outros 22 anos na Universidade de Boston), lecionando no Departamento de Geociências (veja minibiografia oficial e também a nota oficial sobre seu falecimento).

(clique p/ampliar - Fonte: Scoop Independent News)

Margulis propôs a teoria endossimbiótica em 1967, resgatando idéias do botânico russo Mereschkowski (1905), mas dando-lhe consistência empírica a partir de uma série de marcadores microbiológicos: nela, propõe que mitocôndrias e cloroplastos descendem de organismos outrora autônomos, posteriormente "absorvidos", o que explicaria por exemplo o genoma independente das mitocôndrias de nossas células (e o fato de somente herdarmos esse genoma de nossas mães, pois os espermatozóides se desfazem de suas mitocôndrias na penetração final). Mas ela foi além e chegou a defender que a própria origem do núcleo celular - i.e., das células eucarióticas - dever-se-ia a mecanismo endossimbiôntico semelhante, porém não conseguiu prová-lo com tanta solidez, de forma que essa hipótese não goza do consenso que a outra conquistou.

Cientista criativa
, inquieta pensadora e apaixonada divulgadora da ciência, foi mulher de Carl Sagan, falecido em 1996, com quem teve dois filhos, Dorion - também ele escritor e divulgador - e Jeremy.


Com tanto arrojo, acabou envolvendo-se em empreitadas bastante criticáveis, como, por exemplo, contribuiu
à Hipótese Gaia de James Lovelock, que sustenta (equivocadamente) que os componentes vivos e não-vivos da Terra constituiriam, em função de suas propriedades autorregulatórias mútuas, um megaorganismo vivo.

Mas essa não foi a única polêmica complexa com a qual se envolveu, pois sustentava, entre outras coisas, algumas idéias não-ortodoxas acerca do
agente causador da SIDA, que achava poder ser simplesmente o mesmo da sífilis. Como diz PZMyers em seu blogue Pharyngula de hoje: "Ela era inteligente, criativa e promovia montes de idéias selvagens... e, crédito todo dela, algumas dessas idéias chegaram mesmo a estar corretas. Penso que sua maior contribuição era esse incontrolável afã de saltar diretamente até as fronteiras do conhecimento científico e empurrar, empurrar, empurrar - às vezes para nada, mas às vezes conseguindo realmente expandir essa fronteira um pouco mais além".


Margulis ingressou na Universidade de Chicago aos 14 anos, conquistou seu doutorado em genética na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1965, e tornou-se uma autoridade respeitada e reconhecida no campo da biologia evolutiva. Foi eleita para a National Academy of Sciences em 1983 - a mesma que recusou a indicação de seu ex-marido por preconceito contra a popularização da ciência - e foi um dos 12 cientistas a receber a Medalha Presidential de Ciências de 1999. Também era membro da American Academy of Arts and Sciences (AAAS) e da World Academy of Art and Science, e membro estrangeiro eleito da Academia Russa de Ciências Naturais, além de fellow da Massachusetts Academy of Sciences.

Margulis publicou 17 livros, 8 deles co-autorados com seu filho Dorion Sagan, entre eles o recente Acquiring Genomes: A Theory Of The Origins Of Species (2002). No Brasil, acham-se pelo menos 6 clássicos dela em português, entre eles Microcosmos, O que é Sexo?, O que é Vida?, As origens do sexo , Os Cinco Reinos, e o imperdível Planeta Simbiótico (que pode estar esgotado, mas se acha em sebos e é uma jóia que todos deviam ler).

Lynn Margulis era esperada em São Paulo no próximo dia 13 de dezembro, quando se apresentaria no São Paulo Advanced School of Astrobiology - Making Connections (SPASA 2011).


Mais sobre Lynn Margulis:

Lynn Margulis - 05/03/1938 - 22/11/2011



10 comentários:

dchialvo disse...

Triste noticia sin duda. Una gran perdida.

Pienso que decir "equivicadamente" en la frase:

"contribuiu à Hipótese Gaia de James Lovelock, que sustenta (equivocadamente) que os componentes vivos e não-vivos da Terra constituiriam, em função de suas propriedades autorregulatórias mútuas, um megaorganismo vivo."

es quizas un poco equivoco... La lectura del paper de Williams, si bien interesante e informativo, esta muy lejos de probar que Gaia este equivocada. Para hacerlo debiera probar "que os componentes vivos e não-vivos da Terra *NO* constituiriam um megaorganismo vivo"... No les parece amigos que eso es un poco mas que la prosa de Williams?
Saludos desde el sur, disfruto de leerlos
Dante Chialvo

Chico disse...

Como minha compreensão de espanhol é muito precária, corro o risco de repetir o comentário do Dante.

Achei súbita a rotulação de equivocada da Hipótese Gaia. Conheço bem pouco sobre o assunto e, à primeira vista, como leigo, me parece mais filosófica que científica a reconhecimento da Terra como um organismo vivo. Por isso fiquei curioso acerca do que leva o autor do post (e, suponho, a maioria da comunidade científica) a rejeitar com convicção a hipótese. A Terra não se reproduz, mas não deve ser só isso.

Jeferson Arenzon disse...

Hola Dante,

Que ótimo te ver por aqui! Eu tendo a concordar contigo sobre o status da hipótese de Gaia, creio que a reação atualmente não é tão negativa (pelo menos segundo a Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Gaia_hypothesis ).
Abraços não tão ao sul,

Jorge Quillfeldt disse...

Dante e Chico!

Não esperava esta, vejam só, peguei vocês!!!

Assim que sobrar um tempo, lhes
explico, mas o grande mestre-xará (recém-falecido) George Williams explica perfeitamente o problema no paper que linkei no obituário, aliás um paper magnífico que não estava disponível até poucos meses atrás! (tinha-se que ir atrás da revista em papel, nem sempre fácil de achar).

Ese artigo dele nós estudamos em introdução à cibernética na minha disciplina de "Biofísica de Sistemas" (Bio10-006) aqui na UFRGS.

Esperem só um pouquinho...

Chico disse...

Dei algumas 'googladas' e li parte do artigo apontado pelo Jorge e já deu para perceber que a Hipótese Gaia tem um quê de veneração religiosa, ou 'new age', como alguns a classificam. Pensei que o nome fosse apenas uma licença poética, como a Eva mitocondrial.

Jorge Quillfeldt disse...

Hola, Dante,

¡Buenísimo reverte acá!

Sinto muito, mas acho que não estou equivocado. Tente ler o paper de Williams com mais atenção e verás claramente qual o problema. Não se trata de mera "prosa" , apenas "interessante e informativa", mas de uma devastadora crítica aos fundamentos da hipótese. Se bem que é uma idéia bonita e comovente, quiçá até útil do ponto de vista ecopolítico (o que eu duvido, pois o tempo já demonstrou), é inconsistente do ponto de vista científico.

Eu explico (parte 1 de 3).

A idéia central por trás da hipótese Gaia é a de que a atmosfera terrestre, e talvez também (junto) a biosfera/ hidrosfera/ litosfera da superfície terrestre, é - nas palavras de Lovelock - "ativamente mantida e regulada pela vida na superfície do globo" (Icarus 1974), que "a atmosfera terrestre flui em um sistema fechado controlado por e para a biosfera" (Origins of Life 1974), e que "Muito cedo, logo após o surgimento da vida, esta adquiriu o controle do ambiente planetário, e que esta homeostase por a para a biosfera tem persistido desde então" (Tellus, 1974). Cito esses trechos dos três artigos originais que elaboraram a hipótese entre 1972 e 1974, bem antes do livro (que é de 1979, e foi várias vezes reeditado e emendado) porque apesar de algumas reformulações, Lovelock nunca corrigiu esse componente original da sua hipótese. E o que componente é esse? O conceito de "homeostase".

No artigo da Icarus, talvez o mais elaborado dos 4-5 escritos à época, Lovelock e Margulis declaram entender tratar-se de uma forma de "homeostase" o conjunto de fenômenos que regulam certas variáveis atmosféricas (acidez, composição, potencial redox e temperatura, principalmente). Nas páginas 473-4 diz-se: " We believe that Gaia is a complex entity involving the earth's atmosphere, biosphere, oceans and soil. The totality constitutes a feedback or cybernetics ystem which seeks an optimal physical and chemical environment for the biota (Lovelock, 1972). The maintenance of relatively constant conditions by active control is conveniently described by the word "homeostasis," which we shall use henceforward for this purpose." São as palavras deles, e nada disso é muito mais aprofundado no resto dos artigos ou no livro (pelo menos na edição que conheço, de 2000).

[continua]

Chico disse...

Li todo o artigo do Williams e me pareceu perfeitamente razoável, exceto por um detalhe, talvez pouco relevante para sua argumentação mas que penso estar incorreto: a abundância de O2 na atmosfera terrestre, segundo Williams, poderia ser atribuída, na ótica de um visitante exoplanetário, à fotólise da água, então não sugerindo contundentemente sua relação com o metabolismo de formas de vida. Porém, nesse caso (O2 proveniente de fotólise), deveria haver um volume duas vezes maior de hidrogênio molecular na atmosfera, certo? Ainda, esse hidrogênio nem chegaria a se formar em tal quantidade porque se combinaria com oxigênio reconstituindo as moléculas de água.

Jorge Quillfeldt disse...

(continuando - parte 2 de 3)

A seguir os autores discorrem sobre exemplo de regulação cibernética em dispositivos artificiais (e.g., termostato) e também em sistemas biológicos, sugerindo diferenças sutis entre ambos. Então eles arrematam dizendo que "We suspect that the earth's control systems follow a similar complex pattern more comparable to the temperature control in individual organisms than to man-made models. We want now to examine the consequences of our hypothesis that the earth's atmospherebiosphere contains many cybernetic control systems responsible for maintenance of levels of temperature, acidity and composition tolerable to the earth's biota."

Penso que foi exatamente neste ponto que a confusão se deu e começou o problema com a hipótese Gaia, pois eles utilizaram uma interpretação descuidada (e errada) do conceito de Homeostase, proposto pelo fisiólogo Walter Cannon em 1932 em seu magnífico "A Sabedoria do Corpo", em particular sua 4a e última formulação que se baseia em "auto-governo organizado" (os "mecanismos de controle").

O controle homeostático só pode ser considerado como tal se se puder identificar dispositivos medidores aferindo determinadas variáveis e, em função dessas medidas, disparando respostas de correção correspondentes e supostamente eficientes - por exemplo, sistemas sensoriais acoplados a maquinarias de controle e correção. Nas palavras certeiras de Williams em sua crítica, "Stability of some condition, even if the condition is rapidly restored after disturbance should not be uncritically attributed to homeostatic machionery" (p.484). Nesta mesma página, onde o tiro de misericórdia é dado ("The fallacy of planetary homeostasis"), Williams cita o exemplo da regularidade das erupções periódicas de um Geyser estudadas por Falk (1981), como um exemplo de " estabilidade sem homeostase" (afinal, estes não são conceitos idênticos, mas apenas relacionados, talvez em termos de grau): "A nearly constant inflow of shallow subterranean water with nearly constant heating far below sooner or later results in an explosive release of superheated water. The only operative factors atre the hole, the heat, the water, and its eruptions, which Falk calls the "main effects". No feedback loop activatres the eruption machinery as a result of monitoring temperature or pressure or the passage of time. Falk concludes that Old Faithful is not an organism because it is not homeostatic. I would say the same about Gaia for the same reason".

É isso aí, está tudo aí. No caso, sequência de silogismos é a seguinte:

(1) Atmosfera => autorregulações =>
(2) estabilidade de certas variáveis =>
(3) "homeostase" =>
(4) "está vivo"!

Assim, há um salto equivocado entre os passos 2 e 3, em princípio. Que dizer do passo seguinte, o 4, então? Este ainda depende de uma definição de vida, que é todo um outro debate (apesar de que definir vida com base em homeostase me parece interessante e defensável, eu resisto a crer que meu ar-condicionado, por mais esquisito que ande por estes dias, esteja, hân..."vivo").

[continua]

Jorge Quillfeldt disse...

(continuando - parte 3 de 3)

A hipótese Gaia é, de fato, fascinante, e, com o passar dos anos (e o acúmulo de criticas - como as devastadoras de Richard Dawkins,
Stephen Jay Gould e George Williams - viu, Jef!) reformulou-se e diversificou-se: assim, pode-se falar hoje em pelo menos duas vertentes, a "hipótese fraca de Gaia" (WGH), que diz que os organismos vivos modificaram a composição do planeta, e eventualmente "co-evoluem", que é basicamente trivial e hoje consensual (veja-se por exemplo os 4 níveis de interação organismo/ambiente brilhantemente descritos por Richard Lewontin), e a "hipótese forte de Gaia" (SGH), que afirma que a biota manipula seu ambiente físico com o propósito de criar condições biologicamente favoráveis, ou mesmo óptimas, para ela. Vejo algo de "Princípio Antrópico" no meio da SGH, além de uma amplitude de definições (como a de "vida", por exemplo) que lembra também o "Deus de Espinosa" no debate entre ateus e crentes.

A SGH desdobra-se em inúmeras correntes com variado grau de confusão e até misticismo, e não era de fato desposada por Margulis, que dizia que o próprio Lovelock só a sustentava por razões político-culturais (o que ela tb fazia - ver pág. 7 desse capítulo da série Edge): "Lovelock would say that Earth is an organism. I disagree with this phraseology. No organism eats its own waste. I prefer to say that Earth is an ecosystem, one continuous enormous ecosystem composed of many component ecosystems. Lovelock's position is to let the people believe that Earth is an organism, because if they think it is just a pile of rocks they kick it, ignore it, and mistreat it. If they think Earth is an organism, they'll tend to treat it with respect. To me, this is a helpful cop-out, not science. Yet I do agree with Lovelock when he claims that most of the things scientists do are not science either. And I realize that by taking the stance he does he is more effective than I am in communicating Gaian ideas."

Neste debate, só me parece relevante analisar a SGH - o maior desafio conceitual, e uma vez que a análise de Williams acima já liquidou a fatura, a hipótese Gaia, a meu ver, não se sustenta. Pode haver argumentos metafísicos, contemplativos, ou até mesmo analógicos - a biosfera tem um "jeitão" de ser vivo - mas nada disso é testável claramente, muito menos consistente com o conhecimento prévio, especialmente à luz da evolução darwiniana (os argumentos evolucionistas sobre "como um megaorganismo desses chegou a evoluir?", como apresentados por Dawkins, Gould e o próprio Williams).

Se o objetivo último da hipótese Gaia é, sobretudo, de cunho político-ecológico - no caso, tentar criar uma reverência pela mãe-terra para deter a devastação ambiental - apesar de muito bem intencionado, não prosperá porque não tem base empírica. Não faltam argumentos racionais para defendermos a preservação do ambiente: estamos condenados a usá-los, deixando de lado as "forçações de barra" eventualmente românticas, porém desprovidas de conteúdo científico.

Fazer o quê, "é a vida"...

Jorge Quillfeldt (24nov2011)

Ciência e Espiritualidade disse...

Acredito muito na simbiogênese proposta por lynn Margulis.
quanto a Hipótese Gaia de james Lovelock tenho minhas dúvidas.