Pois é, há poucos dias faleceu Steve Jobs, um dos heróis nerds da geração tecnofascinada (ou techie, em inglês) e, igualmente, um ídolo do capitalismo Nasdaquiano. Nada como uma história de sucesso de alguém com as motivações e idéias certas no momento (e no lugar) certo, não é mesmo? Já estão até preparando uma nova cinebiografia dele (após "Piratas da Informática" de 1999) para mitificar um pouco mais o homem (e vender alguns aparelhinhos a mais, por que não, certo?). Bem, Jobs acabou derrotado por um câncer complicado e teimoso, mas parece ter lutado contra ele da mesma forma como viveu, ou seja, ombro a ombro com as mais avançadas ferramentas da ciência moderna, certo?
... ou não?
Bem, a julgar pela história que David Gorski nos conta no blogue "Science-based medicine", Jobs, no começo de seus problemas de saúde, em 2003, teria tomado algumas decisões não tão racionais assim. Após o diagnóstico de câncer pancreático naquele ano, Jobs adiou o procedimento recomendado - de fato dramático e assustador - por 9 meses, colocando-se em grande risco, e, em vez disso, tentou algumas abordagens baseadas em dietas alternativas. A história é contada também aqui e aqui. É compreensível que alguém, prestes a embarcar numa aventura sabidamente perigosa, tema (e até resista em) fazê-lo, mas se isso implica em agravamento do diagnóstico original, o que seria capaz de fazer um homem tão racional tornar-se temporariamente um crédulo agarrado em esperanças vagas?
Como diz Gorsky, e também comenta P.Z.Myers em seu Pharyngula, esse câncer era de crescimento relativamente lento e prognóstico razoável, de forma que não se pode afirmar o peso que esse atraso no tratamento precoce da doença teve no recente agravamento da condição de saúde, que resultou em sua morte. Mas a possibilidade existe.
E o que incomoda são as razões (ou irrazões) por trás de sua atitude potencialmente suicida lá nom começo, certo?
Jobs era um vegano que comia peixes (um pescano?) e adepto de práticas alimentares parecidas com as de muitas dietas alternativas que apregoam milagres. De fato, a polêmica que começa a instalar-se deve-se a charlatães que saíram explorando os vazios na biografia de Jobs antes mesmo que o corpo esfriasse: Jobs sempre foi muito reservado em suas questões pessoais, de forma que é difícil reconstituir tudo o que se passou. A discussão de Gokski mostra inclusive vídeos com esse pessoal aí aproveitando a onda...
Mas o fato é que nosso nerd-mor, quando sob pressão, flertou com algo assim como uma medicina alternativa. Por medo, certamente. Talvez isso seja um indicativo de que, por trás desse tipo de decisão, está sempre uma faceta humana que não deve ser descartada com tanto desdém, mas tolerada até certo ponto. Quando não há risco, claro - se bem que, como obrigar um adulto mentalmente são a fazer um procedimento que ele não quer? Sem estar nas calças do moribundo, como sabê-lo? "Pimenta nos olhos dos outros"...
Ei, calma aí! Não estou censurando a bem-humorada gozação das inesgotáveis maluquices que estão em toda a parte, mas observando que um toque de humanidade é sempre necessário na hora de apreciar qualquer caso real. Do misticismo, nem os nerds escapam: o semiendeusado Jobs que acaba de entrar no vazio também teve a sua cota.
- Saiba mais lendo a excelente matéria de David Gorski.
- Um bom alerta contra tratamentos "alternativos" de câncer está aqui.
- Coleção de cartuns sobre o passamento de Jobs aqui (a maioria visa endeusá-lo - escolhi os melhorzinhos e pus aqui...).
3 comentários:
E para quem não sabe dos riscos associados às várias práticas "alternativas", há o excelente "What's the harm?":
http://whatstheharm.net/
Não estou muito certo de que a "nerdice geek" e o ceticismo andam juntos.
Sempre achei muito exagerada a idolatria em torno na figura do Steve Jobs. Costumava dizer que, se ele morresse, voltaria em três dias. Pelo jeito me enganei.
o termo é "pescetariano":
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pescetarianismo
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