terça-feira, 9 de agosto de 2011

"Depressa e bem não faz ninguém"

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Eis aqui um bom tema para discussão:

MANIFESTO POR UMA CIÊNCIA SERENA

slow-science.org

Nós somos cientistas. Nós não blogamos. Nós não tuitamos. Somos donos do nosso tempo.

Não nos leve a mal: nós dizemos sim à ciência acelerada deste início de século 21. Dizemos
sim ao constante fluxo de publicações indexadas avaliadas pelos pares e seu impacto; dizemos sim aos blogs científicos e à necessidade que temos de relações com o grande público e presença na mídia; dizemos sim à crescente especialização e diversificação em todas as disciplinas. Também dizemos sim à investigação científica que realimenta tanto o sistema de saúde quanto a própria prosperidade do porvir. Nós todos estamos juntos neste jogo.

Afirmamos, entretanto, que isto não pode ser tudo. A ciência precisa de tempo para pensar. A ciência precisa de tempo para ler, e tempo para falhar. A ciência nem sempre sabe seu verdadeiro estado a cada momento. A ciência se desenvolve de modo vacilante, com movimentos espasmódicos e imprevisíveis
saltos à frente. Ao mesmo tempo, contudo, ela flui em uma escala de tempo muito lenta, para a qual é preciso haver espaço e reconhecimento.

A ciência lenta era praticamente a única forma de ciência concebível durante centenas de anos. Hoje, pensamos que ela merece ser resgatada e protegida. A sociedade deve conceder aos cientistas o tempo que eles necessitam, mas, mais importante, os cientistas devem saber retomar o controle de seu tempo.

Precisamos de tempo para pensar. Precisamos de tempo para digerir. Precisamos de tempo para entender, mesmo que mal, a uns e outros, especialmente porque é urgente resgatar o diálogo perdido entre as humanidades e as ciências naturais. Não podemos ficar
continuamente explicando significado da ciência que fazemos, para o que ela serve, até por que nós simplesmente ainda não sabemos. A ciência precisa de tempo.

- Seja indulgente conosco enquanto pensamos.

Academia por uma Ciência Serena

Apóie
a Academia e expresse sua simpatia no
Facebook. Você também pode baixar o "Manifesto por uma Ciência Lenta" e outras informações, e publicá-la em sua página ou instituição. Agradecemos.

(c)
Academia por uma Ciência Serena, 2010

TRADUÇÃO de Jorge A. Quillfeldt (09/08/2011).
FONTE:
The Slow Science Manifesto (2010), The Slow Science Academy, Berlin.

OBSERVAÇÃO: Depois de concluir esta tradução, descobri que já havia uma anterior feita por Amanda Wanderley, uma pena; mas aquele trabalho me encorajou a adotar sua belíssima sugestão de traduzir "slow" por "serena" e não "lenta", já que me parece ser exatamente o cerne da proposta: pôr um freio na ciência "afobada". Disponibilizo aqui este texto para vossa reflexão e consideração, pois o ritmo imposto à produção científica atual (intensíssimo, embora possa diferir entre as áreas - na minha, é alucinante) me parece mais adequado a uma fábrica de enlatados que a um verdadeiro processo coletivo e criativo de construção do conhecimento. Não se trata de endeusar a ciência ou de colocá-la num pedestal de prrivilégios, mas combater a pressa numa seara em que velocidade não é sinônimo de qualidade.

***

Mais sobre o movimento:

Fast science vs. slow science, or slow and steady wins the race
(17 September 1990)
by Eugene Garfield, reprinted from The Scientist, vol. 4, no. 18, p. 14

3 comentários:

Anônimo disse...

Os trabalhos de Andre Geim
Konstantin Novoselov que levaram a descoberta do grafeno bidimensional certamente não foram feitos com precipitação, mas igualmente não foram feitos com lerdisse, pois eles sabiam que outras pessoas estavam pensando na mesma direção que eles.

Klaus Von Klitzing descreve que quando ele precebeu que tinha algo de realmente novo em mãos (ele descobriu o quantum hall effect), foram dias de trabalho incessante e muita adrenalina.

Vamos combinar que ciência não é ioga.

Ciência necessita de idéias coladas com muito suor.

Jorge Quillfeldt disse...

Márcia, como este que trazes, há muitos outros exemplos, não tenho dúvidas. Mas fica clara a distinção que apontei com a frase do Gregório Marañon no final do post, que uma coisa é a rapidez, outra, a pressa: na segunda está implícita a afobação, a superficialidade e o descuido. Quando se atinge o ponto de ruptura conceitual, de verdadeira novidade, aí é mesmo questão de quem anda mais rápido, pela conquista do "pódio": até mesmo o Darwin - que certamente refletiu MUITO (quase demais) sobre seus dados - acabou tomando um susto do Wallace, não foi? Mas para se chegar a esse ponto, para atingir esse "nirvana" científico, imagino que existam muitos caminhos diferentes, até mesmo o simples e entediante acúmulo, pouco a pouco, de evidências empíricas obtidas por multidões de cientistas obscuros fazendo sua "mindless" varredura de todas as combinações possíveis de desenhos experimentais e associações de variáveis...

Até entendo que o manifesto possa ser lido (apressadamente) como um elogio à "lentidão" pura e simples (muitas vezes é o melhor mesmo, ponto), mas ele me parece, antes de mais nada, uma advertência contra a "precipitação".

São coisas bem diferentes. Vivemos, hoje o embalo da lógica hiperprodutivista (que o pessoal da física talvez nem tenha idéia de que níveis pode alcançar), e a literatura científica está crescendo demais em volume... e em ruído. A queda na qualidade (em média) deve-se a que, em muitas áreas, a maioria do que se publica não passa de mero "data report", sem muita discussão. Sem reflexão. "Mindlessness".

Parece que existem dois tipos de suor.

João disse...

Acho que a divulgação cientifica é importante e não devia interferir com o curso normal de fazer ciencia.

Mesmo sem certezas é preciso ensinar o que parece ser o mais proximo da realidade. É preciso divulgar.

Obviamente que não tem de ser feito por cientistas. Desde que seja bem feito.

Além disso, fazer ciencia em blogues é impossivel. Ultrapassa o curso normal do desenvolvimetno cientifico. Isso é para as pseudociencias e negadores do aquecimento global.

Outra coisa, digam-me que na USP não ha medicina espirita. Digam-me que este senhor não trabalha lá:

http://www.youtube.com/watch?v=chXoARgsIOE&feature=player_embedded

É verdade? Não consegui confirmar que ele pertencia ao corpo docente da universidade.