terça-feira, 31 de maio de 2011

Desconstruindo Plantinga

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Devido a repercussão neste blog dos argumentos do filósofo cristão Alvin Plantinga e de uma certa insatisfação do Jorge Quilfeldt sobre as nossas críticas ao texto eu resolvi fazer o meu próprio review e colocar no blog. Vou focar somente no que eu considero os pilares do seu artigo. É interessante como podemos tecer uma boa resposta sem usar um único argumento filosófico. Frente a apenas conhecimentos básicos de Teoria de Probabilidades, Teoria de Informação e Inteligência Artificial os argumentos não se sustentam. Vamos lá então:

Pilar I: Crenças não são selecionadas. “Mas enquanto a evolução, a seleção natural premia o comportamento adaptativo (premia-o com sobrevivência e reprodução) e penaliza comportamentos mal-adaptativos, ela não se importa nem um pouco a respeito da crença verdadeira.”

A afirmativa está errada. Ela generaliza usando uma definição escorregadia para a palavra crença. Se “crença” significa uma teoria sobre o mundo exterior não podemos dizer que crenças não sejam penalizadas. Por exemplo, se o cérebro de um organismo entreter a crença que pular num precipício não faz mal, mesmo tendo a experiência da dor de uma pequena queda, o organismo não terá muito futuro e desaparecerá do pool genético. Apesar da seleção natural não atuar diretamente nas crenças, que são propriedades de indivíduos, ela certamente atua em como o cérebro manipula estas crenças. O cérebro humano normal, por exemplo, recebe sua primeira carga de crenças dos progenitores, depois de sua própria experiência e mais tarde de operações internas usando suas próprias crenças como material gerador de novas crenças. Estas crenças são então confrontadas com outras e com a experiência e readaptadas, em favor do organismo. Um cérebro esquizofrênico, por exemplo, não consegue fazer tais operações o que muitas vezes inviabiliza o seu possuidor.

A pressão de seleção premia cérebros que tenham uma boa álgebra de crenças. Em resumo: a seleção natural produz um cérebro que sabe usar crenças, e isto influencia os tipos de crenças que podem existir.

Pilar II: O Argumento da Probabilidade. “E mesmo se eu estivesse trabalhando com um modesto sistema epistêmico de apenas 100 crenças, a probabilidade de que 3/4 delas sejam verdadeiras, dado que a probabilidade de qualquer um seja verdadeira é de 1/2, é muito baixa, alguma coisa como 0,000001[7]. Então as chances de que as crenças verdadeiras dessas criaturas substancialmente sobrepujem suas falsas crenças (mesmo numa área particular) são pequenas. A conclusão retirada é que é extremamente improvável que suas faculdades cognitivas sejam confiáveis.”

Este é o argumento mais fraco e mostra o desconhecimento do autor em como interpretar probabilidades. Primeiro, sabemos que a distribuição binomial é simétrica. Portanto a probabilidade de ¾ das afirmações estarem erradas é também 0,000001. Logo pela lógica do autor ele deveria concluir que as faculdades cognitivas seriam também confiáveis, porque as crenças falsas não sobrepujam as verdadeiras. De fato, a distribuição binomial, para eventos que tenham chances iguais de acontecer, é concentrada em 50% para um grande número destes eventos. Ou seja, se temos 100 crenças independentes, assim como moedas lançadas, a maior probabilidade é de 50 delas estarem certas e 50 erradas. O que não é mal para crenças infundadas e independentes.

O erro do argumento não pára por aí. Dizer que uma afirmação tem probabilidade ½ de ser verdade significa dizer, de acordo com a Teoria da Informação, que ela se refere a algo sobre o qual não temos informação alguma. Chamemos então uma crença assim, não fundada em conhecimento, de “crença infundada”. Se temos muitas destas crenças e elas são independentes a probabilidade de uma fração delas ser verdadeira é dada pela distribuição binomial como explicamos acima. Portanto, no seu artigo, o filósofo Plantinga calcula a chance de um certo número de crenças infundadas e independentes serem verdadeiras. O fato de provavelmente somente 50 de 100 estarem corretas de forma alguma desabona a capacidade cognitiva de quem tem estas crenças. É uma propriedade simples decorrente do tipo de crença considerado: infundadas e independentes. Por exemplo, se eu agora produzir 100 afirmações binárias sobre, por exemplo, o número de flores de um jardim que nunca visitei, a roupa de baixo de uma atriz de cinema que nunca encontrei pessoalmente, o peso de um objeto desconhecido, etc e etc a chance de eu acertar todas ou até ¾ delas é muito pequena, como bem argumentou Plantinga. Mas, diferente do que ele conclui, isto não significa que eu seja cognitivamente incompetente.

Mas afinal o que isto diz sobre o cérebro e evolução? Não diz nada. O cérebro não foi selecionado pela sua capacidade de acertar afirmações infundadas e independentes. O cérebro foi selecionado para ser uma máquina que produz um corpo coerente e bem correlacionado (não independente) de afirmações (crenças) a partir da experiência. Para demonstrar que a evolução “materialista” não consegue gerar tal cérebro ele vai precisar ir bem além da elementar distribuição binomial, que ele mesmo demonstrou não saber usar.

12 comentários:

Sandi disse...

muito bom!

Ronaldo Paesi disse...

"A afirmativa está errada. Ela generaliza usando uma definição escorregadia para a palavra crença. Se “crença” significa uma teoria sobre o mundo exterior não podemos dizer que crenças não sejam penalizadas."

Gostei muito dessa argumentação e acredito que ela está no caminho certo, mas Platinga poderia argumentar que mesmo considerando a necessidade de termos uma noção da realidade do mundo exterior, essa não precisa ser "toda" a realidade. Por exemplo, para ser selecionado o animal precisa saber que não pode atravessar uma rocha, e seus sentidos tem que lhe dizer isso, mas a seleção não capacitou para perceberem que a rocha é formada por partículas com gigantescos espaços vazios entre elas. Os animais enxergam a rocha sólida, e nem imaginam os espaços vazios. Mesmo sendo a crença na rocha sólida adaptativa, ela não representa toda natureza da rocha...ela não deixa de ser enganosa em certo sentido...

Acho que essa resposta, então, não pode ser considerada definitiva...quando a parte da probabilidade acho concordo com tudo.

Ronaldo Paesi disse...

Obs: acho que a questão que Platinga está levantando é velha na verdade...Podemos ou não confiar nos sentidos? Ele só reformulou em um clima mais evolutivo. É uma questão filosófica interessante.

Jorge Quillfeldt disse...

Já editei no post do Marco, mas não posso editar os comentários:

é PlaNtinga, com "N" entre Pla e tinga!

Senão vamos começar a falar do Eistein, do Nelton, do Hokings ...

Ronaldo Paesi disse...

Acho que fui pelo texto...

Abraços.

Marco Idiart disse...

Valeu Jorge. Realmente não vi o n lá. não conheço o ofilósofo.

Marco Idiart disse...

Oi Ronaldo

Como eu disse, o que a pressão de seleção fez é selecionar um cérebro muito especial. Que é capaz de usar crenças básicas como material para gerar crenças mais sofisticadas.
Esse cérebro é muito mais eficiente e adaptativo.

Tu poderias dizer, mas porque as representações não são todas concretas? A minha resposta é: para alguns animais é assim. Mas o homem é diferente. Ele é criativo e ser crativo é uma vantagem ainda maior.
A seleção natural selecionou a capacidade de criatividade do cérebro. O resto vem de troco.

Marco Idiart disse...

O ganso está morto.

Não precisamos explicar como nasce a criatividade no cérebro para retrucar o argumento dele. Ele não demonstrou que isto é impossível...

Jorge Quillfeldt disse...

Outra coisa: devagar com o andor que Plantinga não quer dizer o "Platão da Restinga"...

(Essa ad nominem é só para os "iniciados", ou seja, para os porto-alegrenses das vizinhanças, rerere)

Osame Kinouchi disse...

Pessoal, mas como fica a Teoria de Robert Trivers de que o cerebro humano foi desenvolvido para produzir o auto-engano (crenças falsas) sobre suas capacidades inerentes: (força fisica, intlectual, etc).

A teoria dele é que, no enfrentamento entre machos, a mentira (demostração ritual de força e poder, intimidação, sarcasmo, ironia etc) é essencial, mesmo entre machos humanos. mas a detecção da mentira também é um traço humano forte. Assim, os machos que tinham auto engano, ou seja, creem firmemente (mas irracionalmente) que podem enfrentar o macho Alfa, teriam uma vantagem maior pois isso porderia intimidar o macho Alfa. Já o macho beta racional, que sabe suas possibilidades e limites, poderia até fingir, mas o macho alfa detetaria que ele nao cre realmente nas suas capacidades para intimidar. Ou seja, os homens, por default, tem crenças (irracionais e não baseadas na experiencia) que superestimam suas capacidades reais. Por exemplo, um Xamã, mesmo sendo um fracote, poderia usar amuletos ou maldições para intimidar um macho alfa, especialmente se ele cresse firmemente que seu Xamanismo, normalmente induzido por drogas enteogenicas, era real.


Para quem não sabe, Robert Trivers foi o fundador da Sociobiologia e Inspirador da Psicologia Evolucionaria. O Conceito de Gene Egoista é dele (Dawkins apenas o divulgou), assim como cerca de meia duzia de teorias fundamentais da Biologia da ultima metade do seculo vinte: Investimento Parental, tgeoria de proporção sexual nas especies, etc. Ver a pagina na WIKI (que ele jura que nao sabe quem escreveu): http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Trivers

Osame Kinouchi disse...

Tem um debate entre Trivers e Noanm Chomsky aqui, sobre o auto engano evolucionariamente selecionado:

http://semciencia.haaan.com/?p=262

O Jantar com Robert Trivers, Sidarta Ribeiro e Ricardo Mioto está descrito aqui:

http://semciencia.haaan.com/?p=224

A reportagem do Mioto sobre Trivers e sua teoria do auto-engano está aqui:

http://semciencia.haaan.com/?p=219

Minha posição de terceira via entre o Teismo e Ateismo, que os fisicos chamam de "Biocosmo Egoista" ou "Darwinismo Cosmologico Forte", vulgo "teoria do Demiurgo", está aqui:

http://semciencia.haaan.com/?p=215

Referencias sobre a teoria do Biocosmo Egoista pode ser encontradas neste livro:

http://semciencia.haaan.com/?p=732

A teoria do Biocosmo egoista é baseada nas ideias de Weinberg, Smolin, Linde e, recentemente, Susskind.

http://www.edge.org/documents/archive/edge145.html

Dalila Teckel disse...

Talvez eu esteja chegando um pouco atrasado para esta discussão, mas de qualquer maneira, gostaria de aproveitar o espaço de vocês para divulgar meu blog recem criado e no qual disponibilizarei traduções de artigos em defesa do ateísmo, naturalismo, ceticismo e assuntos correlatos. Acabei de postar a tradução da análise exaustiva do argumento de Plantinga empreendida por Fitelson e Sober. Esta tradução já estava pronta quando vocês lançaram o desafio aqui, mas à época eu nem tinha um blog ainda _ vocês não sabem como é dificil arrumar um bom nome para um blog ateu _ e nem conhecia o blog de vocês. O artigo não é apenas uma desconstrução, é o fuzilamento intelectual de alguém considerado um dos maiores filosofos da segunda metade do seculo XX. O que mais me surpreendeu foi sua ignorância a respeito de tópicos elementares das disciplinas que ele utilizou para desenvolver o argumento.
O link para a tradução do artigo é
http://wp.me/p1D9iX-1F
Também traduzi um artigo mais curto e acessível falando sobre a interdependencia entre o processo evolutivo de formação do aparato neurológico e do processo de formação de crenças:
http://wp.me/p1D9iX-1N
Ambos os artigos chamam a atenção de forma levemente irônica para o sutil viés religioso que motivou o argumento.
Também traduzi um terceiro artigo, mas esse deixarei inédito por enquanto, por ser mais uma defesa de Dennett e Rorty (a quem Plantinga acusou de duplipensamento em sua resenha do livro "A perigosa idéia de Darwin") e discorrer mais sobre modelos da mente (genericamente cartesianos vs genericamente pragmáticos, sendo que os últimos não implicam uma baixa confiabilidade das crenças, e é a categoria na qual se enquadra o modelo de Dennett.
Bom, por ora é só, um abraço.