segunda-feira, 4 de abril de 2011

Física & Biologia (a visão dos físicos)

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com Rita de Almeida, Yan Levin & equipe FdaC
(todos do IF/UFRGS)


OBS.: aguardem a revanche dos biólogos!



18 comentários:

Claudio Reis disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Claudio Reis disse...

Primeiro eu queria dizer que esse é um tema que me fascina e que gostei de como os participantes o abordaram fazendo seus comentários. Só acho que faltou uma discussão maior sobre o reducionismo e sobre a física em outras áreas da biologia, como em nível de organismos, comunidades e ecossistemas por exemplo. Eu sei que isso seria difícil em apenas 30 minutos e com físicos mais ligados à biologia molecular, mas é só para deixar uma observação e talvez continuar a discussão aqui nos comentários mesmo.

E SIM, estou esperando a visão dos biólogos sobre esse tema.

Acho fascinante essa fusão das ciências para a compreensão de um determinado padrão. Acho extremamente interessante quando, para se entender certo padrão, necessitamos entender um processo que age numa outra escala e que pertence a uma outra ciência (considerando a visão fragmentária atual). Quando, por exemplo, para explicar a distribuição da biodiversidade no globo eu necessito entender, pelo menos em parte, o sistema solar, já que – ao que parece – a quantidade de energia fornecida pelo sol (medida através da temperatura ou da evapotranspiração) seria o mecanismo responsável pela distribuição da diversidade biológica a nível global, por aumentar a velocidade evolutiva das populações. Embora vários outros fatores atuem em níveis regionais ou locais.

Padrões explicados diretamente por processos físicos na biologia organismal ou ecológica (para diferir da biologia molecular) são também inegavelmente fascinantes: o vôo de um bando de aves formando um padrão em V – permitindo uma grande economia de energia em vôos de longa distância; um inseto com a capacidade de ter todo o seu nicho sobre a superfície de uma película d’água – pela tensão superficial do líquido; um mamífero adaptado à corrida com a massa muscular dos membros concentrada próxima ao corpo – produzindo um menor momento de inércia pela proximidade da massa muscular com o eixo de rotação.

Equações não-lineares para a modelagem de fenômenos naturais complexos são utilizadas tanto na termodinâmica como na ecologia de ecossistemas, por exemplo. A geometria fractal é utilizada em outras áreas da ecologia, e aí segue!

Sou um entusiasta dessa maneira de fazer ciência: uni-las e buscar explicações de diferentes áreas do conhecimento. A Teoria Geral dos Sistemas (TGS), de Bertalanffy – um biólogo – tem esse caráter unificador das ciências, e acho esse um caminho promissor!

Uma ressalva: embora sejam fantásticas as explicações de uma área do conhecimento a outra, como os conceitos da física na biologia, eu não concordo com o reducionismo fisicalista. Não acho que a biologia inteira possa ser explicada pela física, nem acho que toda a biologia possa ser explicada pela biologia molecular – me é extremamente estranho como alguns negam as propriedades emergentes. Não acho que se soubermos tudo sobre um neurônio isolado possamos compreender as atividades cerebrais. Considero esse reducionismo como um reducionismo ambicioso, nas palavras de Daniel Dennett, por querer explicar muito com muito pouco! Um nível maior de organização, como alguns neurônios interligados, terão novas propriedades (propriedades emergentes) que só a partir desse nível aparecem - pela nova organização propiciar uma nova função.

Abraços (desculpa o tamanho do comentário)

Anônimo disse...

Concordo com o Cláudio. A questão do reducionismo fisicalista traz à tona um tema que me é muito caro: o determinismo. Acho que um programa focado nesse aspecto seria muito produtivo.

Outra coisa: no programa foi dito que a seleção natural demoraria muito tempo para acontecer... na verdade, a seleção natural não se trata um evento e sim um processo contínuo que causa uma sobrevivência/reprodução diferencial entre as variantes dos organismos. Partindo disso, a seleção natural é intrínseca ao sistema organismo/ambiente, não podendo ser demarcada temporalmente (pelo menos depois do surgimento da vida hehe).
O que, de fato, leva tempo para acontecer são os processos de adaptação dos organismos, que têm, como única causa conhecida, a seleção natural, pelo menos até bem recentemente. A adaptação é tida como lenta por depender de inúmeras gerações, mutações genéticas e outras improbabilidades fundamentais.

Não queria ser chato, mas achei um ponto importante! Abraço!

Aguardo o aparecimento do Demônio de Laplace em um programa!

Jeferson Arenzon disse...

Caros,

A ideia deste programa era dar uma ideia de como os físicos se sentem atraídos por problemas biológicos, trazendo pessoas que efetivamente trabalham em problemas biológicos como a Rita e o Yan. Mais adiante podemos fazer outros especificamente sobre determinismo e reducionismo, que eu concordo, são temas interessantes.

Quanto ao comentário sobre o tempo de adaptação, não lembro bem, mas acho que foi a Rita que fez. Acredito que ela pensava em adaptação mesmo, como o (?) Barradas diz, e não o processo de seleção...

Sandi disse...

Oi Gente,

muito interessante o programa. A questão da conexão entre diferentes áreas do conhecimento é extremamente importante.

Eu gostaria, porém, de fazer uma ressalva à ressalva feita pelo Cláudio. É usual, em livros de filosofia da ciência, a suposição de que abordagens holistas sejam mais abrangentes do que as abordagens reducionistas: abordagens holistas conteplariam o sistema como um todo, com suas propriedades emergentes, enquanto em abordagens reducionistas estaríamos separando o sistema em partes menores, perdendo informação referente a estas propriedades. O que acontece é que esse reducionismo que citei não é o reducionismo que usamos em física. Ao separar o sistema em subsistemas menos complexos, levamos em consideração também as interações entre os sistemas. Já na abordagem holista temos menos informações. Um exemplo disso é a Mecânica Estatística e a Termodinâmica. A Termodinâmica utiliza abordagem holista: temos informação apenas sobre variáveis globais, incluindos aquelas que dizem respeito à propridades emergentes, como pressão, entropia, etc.. Já na Mecânica Estatística, embora o objeto de estudo seja o mesmo, a abordagem é reducionista. Mas o que
que vemos é que a Mecânica Estatística nos permite obter muito mais informações do que a Termodinâmica. Podemos, inclusive, deduzir toda a Termodinâmica, com todas as propriedades emergentes, a partir da Mecânica Estatística. Na verdade, isso não é coincidência, pode-se mostrar formalmente (matematicamente) que a abordagem holista é um caso particular da abordagem reducionista (tenho um artigo sobre isso se alguém tiver interesse).

Mas é claro, podem haver abordagens reducionistas mais fracas, nesse caso pode até acontecer que algumas abordagens holistas sejam mais abrangentes do que as versões reducionistas simplificadas. Mas isso não é um problema do reducionismo em si, e sim da versão simplificada que está sendo utilizada.

Anônimo disse...

Ô Sandi, libera esse artigo aí! =D

Mas assim... eu acho que houve uma pequena confusão entre visão holística e sistêmica. A visão holística pode ser vista, de certa forma, como reducionista, justamente por tratar o todo como um só elemento. A visão sistêmica se confronta com isso, pois os elementos ainda são considerados, mesmo que suas propriedades emergentes só possam ser observadas em uma escala maior.

O reducionismo fisicalista puro (como exposto pelo Cláudio) sugere que o conhecimento das propriedades dos componentes do sistema poderia explicar o comportamento do próprio.

Abraço

Sandi disse...

Oi Barradas,

bom, mesmo assim o meu argumento se aplica ao comentário do Cláudio. A questão é que no reducionismo considera-se não apenas a soma das partes, mas também como elas interagem. Esse tipo de reducionismo permite que apareçam as propriedades emergentes...

O que pode acontecer, em diversos casos, é que sejam desconsideradas muitas das interações entre as partes do sistema estudado, por não serem relevantes para os dados propósitos. É aí que surgem as aproximaçoes. Essa, acho que seria a abordagem que está sendo chamada "reducionismo fisicalista", certo? Essa abordagem, porém, em geral ainda é mais promissora do que considerar de cara o sistema completo, simplismente porque nesse caso não temos ponto de partida (o sistema é tão complexo que não temos ferramentas para estudá-lo nesse nível, o máximo que obteremos são análises superficiais). O ideal é considerar o sistema mais simples possível e ir complicando aos poucos. É aí que surge o meu problema com a ressalva do Cláudio: o fato de utilizarmos modelos (que são versões simplificadas da natureza) não implica em que a biologia não possa ser explicada pela física, por exemplo. Isso porque a física não é o conjunto de modelos em si, e sim o objeto de estudo (há quem discorde, mas isso é outra história). Se um determinado conjunto de modelos em física não permite que partes da biologia possam ser explicadas a partir do mesmo, isso é devido a aproximações feitas nesses modelos (pois o reducionismo completo revela as propriedades emergentes do sistema). Sendo assim, correções nas aproximações deveriam resolver (o que pode ser muito complicado, é claro).

Resumindo: discordo da ressalva do Cláudio no ponto em que ela sugere que o conjunto das áreas do conhecimento necessariamente tem uma estrura um tanto desconexa. Considero que a estrutura é muito mais como uma árvore...

me passa teu email que te mando o artigo... =)

abraço

Claudio Reis disse...

Oi, Sandi.

Houve confusão em relação à definição de alguns conceitos.

Primeiramente, não acho que abordagens holísticas são mais abrangentes que abordagens reducionistas – na verdade, considero o holismo como um tipo de reducionismo, porque considera todo o sistema como um único elemento (à semelhança do que o Barradas comentou).

Em relação a tua afirmação “A questão é que no reducionismo considera-se não apenas a soma das partes, mas também como elas interagem. Esse tipo de reducionismo permite que apareçam as propriedades emergentes...” Eu considero essa abordagem como uma abordagem sistêmica: considera-se os elementos e, além disso, as interações entre eles. Parece ser a abordagem mais promissora, porque além de entender os elementos ela abarca também as propriedades emergentes.

O reducionismo stricto senso parte de um elemento e analisa reduzindo-o a tantas partes quantas for possível, mas não analisa em um nível hierárquico maior – não considera as interações entre os elementos.

Quando eu afirmei que não concordo com o reducionismo fisicalista, não quer dizer que sou contra as abordagens que se usa na física (eu jamais diria isso). O que tentei dizer, na verdade, é que, à medida que um sistema fica mais organizado – com mais interações – surgem propriedades emergentes próprias. O surgimento dessas propriedades não está relacionado a uma eventual falha na análise, mas são próprias do sistema num certo nível de organização. Quando tu comentaste “Isso não é um problema do reducionismo em si, e sim da versão simplificada que está sendo utilizada.” Na verdade o reducionismo é a versão simplificada, por isso é um problema dele e não do sistema.

A partir daí fiz uma objeção quanto à possibilidade da física, ou da biologia molecular explicar toda a biologia. Isso não quer dizer que os sistemas biológicos contrariem as ‘leis’ físicas, quer dizer apenas que não podem ser completamente preditos por elas.

A própria termodinâmica clássica, a primeira ciência da complexidade, é inadequada para descrever sistemas afastados do equilíbrio devido à natureza linear de sua estrutura matemática. No mundo regido pela física newtoniana, não há lugar para não-linearidade e, a partir de dois estados conhecidos, é possível inferir sobre o comportamento futuro de qualquer sistema. Porque, se o sistema evolui linearmente no tempo, as ‘surpresas’ estão descartadas e o futuro é dado a priori.

As denominadas ‘estruturas dissipativas’, de Ilya Prigogine, são sistemas afastados do equilíbrio e foi necessário desenvolver uma termodinâmica não-linear para esses sistemas, na medida em que suas características não podem ser derivadas das propriedades de suas partes.

Com relação ao teu último parágrafo, eu NÃO sugiro que o conjunto das áreas do conhecimento tenha uma estrutura um tanto desconexa. Falei que acho extremamente interessante essa interdisciplinaridade e é justamente pela conexão das áreas que essa abordagem é proveitosa.
Considero que a estrutura é muito mais como uma teia (ou uma rede)...

Obs.: penso que toda a confusão de entendimento se deu pelas diferentes definições que usamos para os mesmos conceitos.

Abraços

Anônimo disse...

O Cláudio tirou as palavras dos meus dedos (e acrescentou muito mais!).

Como não achei meio mais inteligente, vou me arriscar e mandar por aqui meu correio-e: p.barradas@ymail.com.

Obrigado!

Sandi disse...

Oi Cláudio,

1)Quanto aos dois primeiros parágrafos, ok, é apenas uma questão de nomenclatura: o reducionismo a que me refiro é o que tu chamas "abordagem sistêmica". No problem with that...

2)Quanto ao "reducionismo stricto sensu". Não é esse o tipo de abordagem que se usa em física. Eu me pergunto se esse tipo de abordagem é utilizada em alguma área do conhecimento... Em princípio, não faz o menor sentido estudar um sistema isolando completamente suas partes: essa abordagem não é útil.

3)Quando eu afirmei que não concordo com o reducionismo fisicalista, não quer dizer que sou contra as abordagens que se usa na física (eu jamais diria isso).

Realmente, não pensei que fosses contra.

O que tentei dizer, na verdade, é que, à medida que um sistema fica mais organizado – com mais interações – surgem propriedades emergentes próprias. O surgimento dessas propriedades não está relacionado a uma eventual falha na análise, mas são próprias do sistema num certo nível de organização.

ok, aqui surgem duas possibilidades. Ou essas propriedades se devem à maneira como as partes se comportam coletivamente (que é o que estou chamando de interação entre as partes), portanto é possível obtê-las via abordagem sistêmica (que poderia ser
transformando uma equação diferencial parcial de n varáveis, em n equações diferenciais ordinárias, por exemplo), ou então essas propriedades emergentes não podem ser estudadas a partir do estudo de como as partes se comportam em conjunto, o que não faz sentido a menos que consideremos que existe alguma "metapropriedade" não dependente das partes do sistema,
vulgo: alguma propriedade mágica... =)

Quando tu comentaste “Isso não é um problema do reducionismo em si, e sim da versão simplificada que está sendo utilizada.” Na verdade o reducionismo é a versão simplificada, por isso é um problema dele e não do sistema."

Quando eu mencionei "versão simplificada", me referia a modelos que são versões simplificadas da realidade. Mas aqui provavelmente o que sugeres é que o reducionismo é uma abordagem simplista, certo? concordo plenamente, o reducionismo stricto sensu, como chamaste, é tão simplista que não é útil para coisa alguma, em princípio.

4)Quanto a afirmação que fizeste da impossibilidade de obtermos toda a biologia a partir da física. Essa é uma afirmação bastante forte que não decorre logicamente da tua afirmação anterior, de que o reducionismo é simplista. Não há evidências a favor desta afirmação, na verdade há muitas evidências contrárias. O fato de podermos obter propriedade biológicas
emergentes através de modelos super simplistas já é uma forte evidência. Mas o que tu sugeres, com tua afirmação, é: devem haver propriedades emergentes que não podem ser obtidas através das propriedades mais básicas, independente do método utilizado. Percebes o quão forte é essa afirmação?

5)Quanto a natureza linear da estrutura matemática da termodinâmica. Quando colocas dessa maneira, eu entendo que afirmas que todas as equações, referentes a sistemas termodinâmicos, são lineares. Garantes isso? eu não...
Da mesma maneira, quando afirmas que na física newtoniana não há espaço para não-linearidades, afirmas que todas as equações que descrevem sistemas newtonianos são lineares, mas isso não é verdade. Há muito espaço para não linearidade em física newtoniana. Linearidade e previsibilidade (determinismo) não coisas independentes. Há uma quantidade absurda de sistemas não-lineares determiní sticos. Por outro lado, há sistemas lineares não determinísticos.

Sandi disse...

6)Quanto às "estruturas dissipativas", de Prigogine. A termodinâmica é uma teoria desenvolvida para sistemas em equilíbrio, esse é seu limite de validade. Assim, ela certamente não serve para sistemas fora desse limite: sistemas fora de equilíbrio. Até aqui, a questão é apenas um problema de limite de validade de teorias. Essa já é uma justificativa mais do que suficiente para o desenvolvimento desta adaptação da termodinâmica (estruturas dissipativas), para sistemas fora de
equilíbrio. A partir daí, porém, sugerir que as características do todo não podem ser obtidas a partir das características das partes (incluindo interações) é um passo lógico bastante grande. Isso só faz sentido se o que afirmas é que não podemos obter todas as características globais a partir das características das partes, consideradas isoladamente (que não é o que se faz em física).

7)Quanto à estrutura do conhecimento. Tu sugeres que existem propriedades que não podem ser obtidas a partir de propriedades mais básicas. Isso cria buracos entre as áreas do conhecimento. Caso a estrutura fosse uma rede em que cada área fosse conectada a pelo menos alguma outra, poderíamos derivar qualquer área a partir de qualquer outra: isso não é o que afirmas, sugeres desconexões, ilhas de conhecimento.

Eu considero que o conjunto de áreas do conhecimento como uma rede, uma rede do tipo árvore, estando as áreas mais básicas na base, que são a física e matemática (sendo a a matemática a mais básica). A física é um subconjunto da matemática (abrange apenas uma parcela das infinitas possibilidades contempladas pela matemática). A biologia, por sua vez, é um subconjunto da física (abrange apenas uma parcela das muitas possibilidades contempladas pela física), e assim por diante.


Agora, um ponto muito importante nessa discussão toda é que quando aplicamos o reducionismo (conforme definido pela
wikipédia) a algum problema, o que estamos separando em partes é o problema e não o sistema. Quando estudamos um átomo de hidrogênio, por exemplo, não separamos elétron e núcleo, o que fazemos é separar uma equação diferencial parcial
de sete variáveis independentes em sete equações diferenciais ordinárias. Fazemos essa separação de tal maneira que podemos fazer o caminho de volta, e obter a solução total a partir das 7 soluções.

Abraço

Sandi disse...

correção: quando eu disse "linearidade e previsibilidade não são coisas independentes", quis dizer que são independentes...

Claudio Reis disse...

O reducionismo, na verdade, é extremamente útil; mas não essa a questão. O problema está em considerar que o sistema completo seja, de fato, o que o reducionismo nos mostra. Ou seja, o problema está em não se dar conta de que o reducionismo é reducionista. Concordo com uma frase que diz o seguinte: "Essencialmente, todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis.” (George E. P. Box), mas até que nível eles são úteis? E mais, estamos preocupados apenas com o caráter operacional da ciência ou também com sua epistemologia?

Ainda em relação ao reducionismo, eu não afirmei que ele não considera nenhuma interação entre as partes. Se ao analisar de maneira reducionista um determinado elemento, na verdade está se vendo um padrão formado pelas interações entre as partes deste elemento. A partir daí segue-se reduzindo a um nível cada vez menor de escala, por exemplo. Ou seja, as interações que se leva em conta seriam entre as partes do elemento e não entre os elementos do sistema. Parte-se de um elemento e, a partir dele, a análise é direcionada para o seu interior, sem a análise das interações entre os elementos no nível acima do objeto de estudo. De modo que o reducionismo separa em partes não apenas o problema, mas também o sistema (diferentemente do que tu expuseste).

Por exemplo, a biologia molecular e celular analisando “tudo” no nível de moléculas e células, a princípio, explicaria os fenômenos responsáveis pela morte de um organismo se ele morresse “de velho”. Mas como explicaria a morte de um organismo por predação? Que é razão mais comum para a morte da maioria dos vertebrados em ambiente natural, pelo menos.

...

Claudio Reis disse...

...

As propriedades emergentes se devem à maneira como as partes interagem e é possível obtê-las via abordagem sistêmica. Elas não são propriedades mágicas não, embora tenha sido considerada por muito tempo como algo puramente metafísico. Mas se sabe que essas propriedades dependem do comportamento das partes e, portanto, precisa das partes para aparecer. Isso não quer dizer que seja dada pela soma das partes. Ou seja, se analisarmos cada parte isoladamente e a juntarmos depois, essas propriedades não aparecerão: precisamos botá-las em interação. Isso porque na própria definição de propriedades emergentes é dado que são: propriedades que aparecem num certo nível E não podem ser previstas num nível inferior.

A própria termodinâmica, que é uma ciência da complexidade, não explica sistemas complexos fora do equilíbrio. E porque ela não consegue deduzir fenômenos nesses sistemas? Porque tais sistemas incorporam novas propriedades e novos conceitos. Ou seja, a termodinâmica é reducionista com relação a tipos de sistemas, de modo que não prevê o comportamento de sistemas fora do equilíbrio; para isso (prever o comportamento) seria preciso que se incorporasse novos conceitos, assim como é necessário que se incorpore o conceito de evolução biológica e co-evolução para entendermos mais sobre sistemas biológicos, e esses conceitos (evolução e co-evolução) são essencialmente históricos. De modo que saem do escopo da física – impondo limites para a redução fisicalista.

Com relação à estrutura do conhecimento, comentei que seria como uma rede no sentido de que as áreas do conhecimento seriam conectadas, tendo uma relação com pelo menos alguma outra. Isso NÃO quer dizer que todas as áreas possam ser derivadas a partir de uma, embora seja extremamente útil o conhecimento de uma área aplicado em outra.

Numa analogia com a evolução biológica: existe uma relação ancestral-descendente entre todas as espécies, mas cada espécie é única. O processo que dá origem a elas é o mesmo, mas cada uma possui “propriedades” diferentes.

É isso, abraços.

Sandi disse...

"O reducionismo, na verdade, é extremamente útil; mas não essa a questão."

Quando eu disse que reducionismo não é útil, me referi àquela versão em que as partes do sistema estudado são analisadas separadamente. Mas essa técnica não existe como método sério de pesquisa.

"O problema está em considerar que o sistema completo seja, de fato, o que o reducionismo nos mostra. Ou seja, o problema está em não se dar conta de que o reducionismo é reducionista. Concordo com uma frase que diz o seguinte: "Essencialmente, todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis.” (George E. P. Box), mas até que nível eles são úteis? E mais, estamos preocupados apenas com o caráter operacional da ciência ou também com sua epistemologia?"

Problema porquê? novamente, qual a base para tal afirmação? Não há evidência alguma disso, apenas evidências contrárias.

Método e modelo não são a mesma coisa. O reducionismo não é um modelo, e sim um método. Podes descrever um sistema completamente ou não usando essa ferramenta (o reducionismo). Esta não é uma aproximação de coisa alguma, é apenas uma maneira de estudar algo (e não significa descartar alguma característica de um sistema). Quanto a todos os modelos estarem errados. Dado um modelo 90% correto e 10% errado, qual das sequinte afirmações está mais próxima da verdade? 1. O modelo está errado. 2. O modelo está certo.

"Ainda em relação ao reducionismo, eu não afirmei que ele não considera nenhuma interação entre as partes. Se ao analisar de maneira reducionista um determinado elemento, na verdade está se vendo um padrão formado pelas interações entre as partes deste elemento. A partir daí segue-se reduzindo a um nível cada vez menor de escala, por exemplo. Ou seja, as interações que se leva em conta seriam entre as partes do elemento e não entre os elementos do sistema. Parte-se de um elemento e, a partir dele, a análise é direcionada para o seu interior, sem a análise das interações entre os elementos no nível acima do objeto de estudo. De modo que o reducionismo separa em partes não apenas o problema, mas também o sistema (diferentemente do que tu expuseste)."

Usei a palavra "sistema" de maneira genérica. Um elemento, conforme o que tu descreveste, é um sistema; uma equação matemática é um sistema; etc..

Mas essa definição que estás usando para reducionismo é extremamente específica. É uma maneira ultra-particular de aplicar reducionismo, nada usual, por sinal. Novamente, o que fazemos, em geral, é separar o problema, e não o sistema.

Mas aprendemos a utilizar reducionismo desde o colégio, quando separamos um sistema de duas equações com duas incógnitas em cada uma das equações, em duas equações com uma incógnita em cada uma delas, por exemplo. Não é preciso nem ao menos haver um sistema físico para que apliquemos reducionismo. A ferramenta é muito mais geral do que isso.

Sandi disse...

Quanto à biologia molecular e celular e a ecologia. Não é inteligente tentar deduzir a ecologia a partir da biologia molecular e celular, pois existem maneiras muito mais práticas de estudar ecologia. Mas isso não é impossível. A ecologia é sustentada pela biologia molecular e celular. Portanto, é possível derivar comportamentos ecológicos a partir da biologia molecular. O que acontece é que a biologia molecular possui muitas outras possibilidades. Vou fazer uma analogia. Um jogo de computador pode ser explicado pelos circuitos do computador. Primeiramente a linguagem em que o programa foi escrito deve ser traduzida para linguagem de máquina (se não houver algum passo intermediário), que são conjuntos de 0's e 1's. Esses 0's e 1's representam circuitos fechados e abertos. A partir dos circuitos, podem-se obter diferentes programas em diferentes linguagens de programação. E por mais maluco que possa parecer, a base de toda essa tecnologia computacional de que dispomos provém de seqüências de 0's e 1's.

Quanto ao parágrafo em falas das propriedades emergentes. Concordo com boa parte. Mas propridades emergentes podem sim ser previstas num nível inferior (que não significa considerar separadamente os elementos de um sistema). Na Mecânica Estatística, por exemplo, fazemos exatamente isso: prevemos propriedades emergentes "num nível inferior".

"A própria termodinâmica, que é uma ciência da complexidade, não explica sistemas complexos fora do equilíbrio."

Porque ela não foi feita para isso. É como querer usar um óculos de sol, ao invés de um óculos de grau, para ler um livro. A Termodinâmica de equilíbrio foi montada a partir de postulados que e aplicam a sistemas em equilíbrio. Sistemas fora de equilíbrio apresentam propriedades diferentes. Para isso pode-se usar outras termodinâmicas. Mas não existe nenhum modelo, teoria, filosofia, etc., que abranja todos os fenômenos, propriedades, enfim, que abranja tudo. Isso não é exclusividade da Termodinâmica.

"assim como é necessário que se incorpore o conceito de evolução biológica e co-evolução para entendermos mais sobre sistemas biológicos, e esses conceitos (evolução e co-evolução) são essencialmente históricos. De modo que saem do escopo da física – impondo limites para a redução fisicalista. "

Fenômenos históricos não saem do escopo da física de modo algum. É muito comum, em física, o estudo de como as coisas evoluem no tempo. O escopo da física é qualquer realidade física, do nosso ou de outro universo.

Quanto a estrutura do conhecimento. Quando falei de uma rede em que cada área é conectada a pelo menos uma outra, eu estava pensando em algo mais específico. Realmente, em uma rede dessas pode não haver conexão entre duas áreas quaisquer. Mas nesse caso, a rede é desconexa. Que era o ponto em que eu queria chegar.

"Numa analogia com a evolução biológica: existe uma relação ancestral-descendente entre todas as espécies, mas cada espécie é única. O processo que dá origem a elas é o mesmo, mas cada uma possui “propriedades” diferentes. "

Quando digo que a partir de propriedades mais básicas podemos derivar propriedades de mais alto nível, não significa que as propriedades mais básicas gerem apenas um tipo de comportamento. Significa que todos os tipo de comportamentos de mais alto nível são gerados pelas propriedades mais básicas...

Abraço

Claudio Reis disse...

Acho que essa discussão não vai ter fim...

Então, se tu quiseres eu te mando por correio-e alguns textos e livros que abordam esse assunto. Se tu quiseres me mandar alguma coisa também: claudiormreis@gmail.com

Só para esclarecer, eu não critiquei o método 'reducionista' que tu está abordando. Isso que tu abordas, na verdade, é análise e não reducionismo. O que critiquei foi o reducionismo ambicioso e, em especial, o reducionismo fisicalista.

Abraços

Sandi disse...

Oi Cláudio,

sim, se puderes me mandar eu agradeço (vou lendo conforme sobrar um tempinho). Meu email é sandiflutz@gmail.com

Pra finalizar. Análise é sinônimo de reducionismo, significa decompor, estudar minuciosamente as partes (o que não implica em desconsiderar alguma característica), etc..
Essa definição que uso é a definição mais próxima da usada em livros de filosofia (talvez seja um problema de amostra...), e que ao mesmo tempo existe. Isso porque a versão citada nesses livros, exatamente como se encontra lá, não existe no meio acadêmico, portanto deve ser consertada se quisermos associá-la a alguma coisa que se usa na prática.

Mas tudo bem, é só um label. O ponto é que esse reducionismo fisicalista, se eu entendi bem o que queres dizer com isso, é no mínimo não usual...

Abraço