O texto abaixo, sobre o estado e religião, foi escrito por Emir Sader em seu blog (ligado à revista Carta Capital). Não deixem de ler, lá no final, um dos comentários deixados pelos seus leitores:
Uma das mais importantes conquistas democráticas no mundo contemporâneo é a separação entre religião e política. Não é que não tenham nada a ver, mas as relações políticas, sociais, cívicas, não podem ser orientadas pelas opções religiosas. Os Estados democráticos são Estados laicos.
Todos devemos ser iguais diante das leis, sem influência de nossas opções individuais – religiosas, sexuais, de diferenças étnicas, etc. Somos diversos nas nossas opções de vida, mas devemos ser iguais nos nossos direitos como cidadãos.
Os Estados religiosos – sejam islâmicos, sionistas ou outros – fazem das diferenças religiosas elementos de discriminação política. Xiitas e sunitas têm direitos distintos, conforme a tendência dominante em países islâmicos. Judeus e árabes são pessoas com direitos totalmente distintos em Israel. Para dar apenas alguns dos exemplos mais conhecidos.
Um Estado democrático, republicano, é um Estado laico e não religioso, nem étnico. Que não estabelece diferenças nos direitos pelas opções privadas das pessoas. Ao contrário, garante os direitos às opções privadas das pessoas. Nestas deve haver a maior liberdade, com o limite de que não deve prejudicar a liberdade dos outros de fazerem suas opções individuais e coletivas.
Por razões de sua religião, pessoas podem optar por não fazer aborto, por não se divorciar, por não ter relações sexuais senão para reprodução, por não se casar com pessoas do seu mesmo sexo. São opções individuais, que devem ser respeitadas, por mais que achemos equivocadas e as combatamos na luta de idéias. Mas nenhuma religião pode querer impor suas concepções aos outros – sejam de outras religiões ou humanistas.
A educação pública deve ser laica, respeitando as diferenças étnicas, religiosas, sexuais, de todos. Os que querem ter educação religiosa, devem tê-la em escolas religiosas, conforme o seu credo. Os recursos públicos devem ser destinados para as escolas públicas.
Da mesma forma a saúde pública deve atender a todos, conforme suas opções individuais, sem prejudicar os direitos dos outros.
A Teologia da Libertação é um importante meio de despertar consciência social nos religiosos, como alternativa à visão tradicional, que favorece a resignação (esta vida como “vale de lágrimas”, o sofrimento como via de salvação). Mas não pode tentar impor visões religiosas a toda a sociedade que, democrática, não opta por nenhuma religião. Os religiosos devem orientar seus fieis, conforme suas crenças, mas não devem tentar impor aos outros suas crenças.
Religião e política são coisas diferentes. A opção religiosa ou humanista é uma opção individual, da mesma forma que as identidades sexuais, as origens étnicas ou outras dessa ordem.
Misturar religião com política, ter Estados religiosos – Irã, Israel, Vaticano, como exemplos – desemboca em visões ditatoriais, até mesmo totalitárias. Na democracia, os direitos individuais e coletivos devem ser garantidos para todos, igualmente. Ninguém deve ter mas direitos ou ser discriminado, por suas opções individuais ou coletivas, desde que não prejudique os direitos dos outros.
Que possamos ser diversos, desde que não prejudiquemos aos outros. Iguais, nos direitos e nas possibilidades de ser diferentes. Diferentes sim, desiguais, não.
Mas o que é mesmo aterrorizador é um dos comentários que foi ali deixado:
Discordo da posição do Mestre Emir. Estabelecer uma distinção entre Estado Laico e Estado Religioso faz parte de uma visão ocidentalizada de enxergar as diferentes formas de civilização no planeta. Ao coexistir no planeta diferentes Estados Ilâmicos é antes de mais nada, um sinal da importância que a fé desperta nas motivações do cidadão. Nós, da esquerda, precisamos nos antecipar às mudanças e já pensarmos em uma Praxis voltada para um futuro Estado Evangélico, que se Deus permitir, em breve será implantado não só no Brasil como em outras nações irmãs latino-americanas. Uma Nação Evangélica tem uma identificação umbilical com os princípios do Socialismo ao estabelecer uma relação sócio econômica de equidade dos cidadãos junto aos princípios de Nosso Senhor Jesus Cristo. É um assunto longo e não vou me estender, mas em vez de criticarmos os Estados Religiosos, que tal nos prepararmos para juntos construirmos um Brasil Soberano e Evangélico sob o manto de Deus Todo Poderoso?
3 comentários:
Muito bom o texto. Uma das questões preocupantes nas teocracias é a posição megalomaníaca na qual geralmente os principais no poder acabam se colocando (isso é perigoso até em religiões, propriamente ditas). Nesse tipo de contexto é muito fácil tirar conclusões perigosas de princípios válidos. Por exemplo, sabemos que é praticamente impossível não afetar de alguma maneira as pessoas ao nosso redor. Podemos acabar afetando-as de maneira prejudicial. Nossas leis ajudam no controle destas questões, mas obviamente só ajudam nas questões mais "drásticas", digamos assim. O assustador é quando uma pessoa se coloca na posição megalomaníaca de querer ditar nos mínimos detalhes o modo de vida dos outros, simplismente por acreditar fortemente que suas visões de mundo são melhores do que as do resto da humanidade. Mesmo que a maioria delas fosse (bastante improvável), obrigar alguém a seguí-las por livre e espontânea pressão (altamente redundante) poderia torná-las altamente prejudiciais.
Caras, fiquei assustado. Esses "Jesus me ama" estão chegando a beira da loucura, fruto desse fanatismo desmedido e completa falta de bom senso.
E olha que considero Jesus um cara maneiro. Mas religião, qualquer que seja, é retroceder na escala evolutiva!
Tantos mestres passaram por esse mundo tentando ajeitar as coisas, mas sempre tem idiotas que interpretam mal. E outros que se aproveitam da ignorância alheia.
Cabe salientar que o "discordante da opinião do Mestre Emir" (já que o mesmo aqui encontra-se anônimo) provavelmente possui título de eleitor e consequentemente faz parte da enorme massa de manobra existente no Brasil.
Convém recordar também que no Brasil o voto não é um direito adquirido e sim uma OBRIGAÇÃO, pois o não-cumprimento desta obrigação acarreta uma série de problemas para o "eleitor", nos moldes do que havia na famigerada "Santa Inquisição".
"O que acontece se eu não votar e não justificar a minha ausência?
O eleitor que não votar nem justificar sua ausência nos prazos determinados pela Justiça Eleitoral incorrerá em multa imposta pelo Juiz Eleitoral. Sem a prova de que votou, pagou multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor inscrever-se em concurso público, obter passaporte ou carteira de identidade, renovar matrícula em estabelecimentos de ensino oficial, obter empréstimos em estabelecimentos de crédito mantidos pelo governo, participar de concorrência e praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda. Se o eleitor deixar de votar em três eleições consecutivas, seu título será cancelado."
Agora somemos a obrigação de votar com o fanatismo religioso. O resultado, infelizmente, nós já sabemos.
Seguindo o assunto: existe um cadastro (por assim dizer) de políticos que são assumidamente ateus? Há quase duas décadas anulo meu voto, por pura falta de opção.
Eu já ficaria feliz em saber que um dia aprovaram a eutanásia para pacientes terminais (e este projeto de Lei jamais viria de um religioso).
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