terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Igrejas de Ocasião

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Tema recorrente de muitas conversas com amigos, a criação de igrejas com propósitos específicos, marginais às questões de fé, nunca foi tão fácil. Pelo menos no Brasil, como mostra o Hélio Schwartzman em artigo publicado na Folha de São Paulo que reproduzimos abaixo. Igrejas, como a do Espaguete Voador (ver também a Desciclopédia e o blog brasileiro) já foram criadas em nome de causas nobres ("...mostrar que todos os argumentos do conselho de educação, para a não inclusão do Pastafarianismo nas escolas, também servem para a não inclusão do ensino do criacionismo ou design inteligente. E assim mostrar que eles não devem ser apresentados em aulas de ciências."). Mas o ponto do artigo da Folha são as igrejas de fachada, que se escondem atrás do direito inalienável de professar qualquer fé (que defendemos), para não pagar impostos e lavar dinheiro.


Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio

Criar igreja e se livrar de imposto custa R$ 418

Bastaram dois dias úteis e R$ 218,42 em despesas de cartório para a reportagem da Folha criar uma igreja. Com mais três dias e R$ 200, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio já tinha CNPJ, o que permitiu aos seus três fundadores abrir uma conta bancária e realizar aplicações financeiras livres de IR (Imposto de Renda) e de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).

Seria um crime perfeito, se a prática não estivesse totalmente dentro da lei. Não existem requisitos teológicos ou doutrinários para a constituição de uma igreja. Tampouco se exige um número mínimo de fiéis.

Basta o registro de sua assembleia de fundação e estatuto social num cartório. Melhor ainda, o Estado está legalmente impedido de negar-lhes fé. Como reza o parágrafo 1º do artigo 44 do Código Civil: "São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento".

A autonomia de cada instituição religiosa é quase total. Desde que seus estatutos não afrontem nenhuma lei do país e sigam uma estrutura jurídica assemelhada à das associações civis, os templos podem tudo.

A Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, por exemplo, pode sem muito exagero ser descrita como uma monarquia absolutista e hereditária. Nesse quesito, ela segue os passos da Igreja da Inglaterra (anglicana), que tem como "supremo governador" o monarca britânico.

Livrar-se de tributos é a principal vantagem material da abertura de uma igreja. Nos termos do artigo 150, VI, b da Constituição, templos de qualquer culto são imunes a impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com suas finalidades essenciais.

Isso significa que, além de IR e IOF, igrejas estão dispensadas de IPTU (imóveis urbanos), ITR (imóveis rurais), IPVA (veículos), ISS (serviços), para citar só alguns dos vários "Is" que assombram a vida dos contribuintes brasileiros. A única condição é que todos os bens estejam em nome do templo e que se relacionem a suas finalidades essenciais -as quais são definidas pela própria igreja.

O caso do ICMS é um pouco mais polêmico. A doutrina e a jurisprudência não são uniformes. Em alguns Estados, como São Paulo, o imposto é cobrado, mas em outros, como o Rio de Janeiro e Paraná, por força de legislação estadual, igrejas não recolhem o ICMS nem sobre as contas de água, luz, gás e telefone que pagam.

Certos autores entendem que associações religiosas, por analogia com o disposto para outras associações civis, estão legalmente proibidas de distribuir patrimônio ou renda a seus controladores. Mas nada impede -aliás é quase uma praxe- que seus diretores sejam também sacerdotes, hipótese em que podem perfeitamente receber proventos.

A questão fiscal não é o único benefício da empreitada. Cada culto determina livremente quem são seus ministros religiosos e, uma vez escolhidos, eles gozam de privilégios como a isenção do serviço militar obrigatório (CF, art. 143) e o direito a prisão especial (Código de Processo Penal, art. 295).

Na dúvida, os filhos varões dos sócios-fundadores da Igreja Heliocêntrica foram sagrados minissacerdotes. Neste caso, o modelo inspirador foi o budismo tibetano, cujos Dalai Lamas (a reencarnação do lama anterior) são escolhidos ainda na infância.

Voltando ao Brasil, há até o caso de cultos religiosos que obtiveram licença especial do poder público para consumir ritualisticamente drogas alucinógenas.

Desde os anos 80, integrantes de igrejas como Santo Daime, União do Vegetal, A Barquinha estão autorizados pelo Ministério da Justiça a cultivar, transportar e ingerir os vegetais utilizados na preparação do chá ayahuasca -proibido para quem não é membro de uma dessas igrejas.

Se a Lei Geral das Religiões, já aprovada pela Câmara e aguardando votação no Senado, se materializar, mais vantagens serão incorporadas. Templos de qualquer culto poderão, por exemplo, reivindicar apoio do Estado na preservação de seus bens, que gozarão de proteção especial contra desapropriação e penhora.

O diploma também reforça disposições relativas ao ensino religioso. Em princípio, a Igreja Heliocêntrica poderá exigir igualdade de representação, ou seja, que o Estado contrate professores de heliocentrismo.

fonte: Folha de S.Paulo

Adendo 03/12/09): há uma sequência: http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u660688.shtml

Dica do Ney Lemke, via Pavablog

4 comentários:

Bruno Gallas disse...

puxa vida. vamos criar a Igreja do Santo Darwin! a I.S.D. poderia oferecer aulas, como a católica da aulas de crisma, mas pregando a ciência em todo os modos. ou seja, uma escola que não paga impostos... pretty good! graças à Lei!

"Em nome do Darwin, Newton e Galileu-Galilei. Amém."

Jorge Quillfeldt disse...

Gurizada,

Honestamente... melhor não brincar com essas coisas que elas escapam rapidamente ao controle. Criar um culto é implantar um meme viral altamente infeccioso e não há vacina nem cura contra ele depois de solto!

Não preciso dizer que se criássemos uma igreja "científica" estaríamos
dando de bandeja um excelente argumento àqueles que nos acusam de também sermos um tipo de religião.

Aliás, esse tipo de coisa até já existe, em versões centenárias, inclusive, como é o caso da Igreja Positivista do Brasil , fundada há 128 anos, no dia 19 de César de 93.

Cristiano R Candido disse...

Mas isso é algo muito interessante. Eu já venho estudando o tema há bastante tempo sob o prisma jurídico. Creio que se realmente "virar farra" o Poder Público elaborará uma lei específica fixando critérios para os benefícios.

Enquanto não fazem nada, vamos abrir uma também!

Jeferson Arenzon disse...

Pelos meus critérios, a "farra" já começou...